Discípulos de Jesus

VIDE: Apostolado

Manuel João Ramos: Excertos de “Ensaios de Mitologia Cristã”

Os evangelhos sinópticos estabelecem o quadro que permite a assimilação entre Jesus e os seus discípulos, os quais irão mimetizar, em contextos sócio-geográficos diversos, a sua Paixão. Os discípulos recebem o poder de exorcizar demônios, é-lhes apresentado o enquadramento ético da sua conduta em missão (pobres, humildes e castos), e definida programaticamente a missão apostólica1. O Evangelho segundo João, por sua vez, coloca a tônica na ideia de que os discípulos são «filhos da luz», que «não são deste mundo» (João, XV, 19; XVII, 16), ideia estreitamente relacionada com o tema da ocultação da identidade divina de Jesus. Em todas as versões canônicas, Jesus proíbe os discípulos de anunciar a sua identidade (antes do tempo); mas apenas em João a dialética do Oculto / Manifesto é sistematizada através de um molde argumentativo muito próximo daquele que pode ser apreendido no Evangelho de Tomé. Em Mateus, Marcos e Lucas, a revelação (restrita) da verdadeira identidade divina de Jesus ocorre no episódio da transfiguração. Em Tomé, este episódio é substituído pela revelação exclusiva do conhecimento oculto ao «gêmeo». Em João, onde não há também referência à transfiguração de Jesus, há uma passagem em que um discípulo chamado Judas, que o texto insiste não ser o Iscariotes, pergunta: «porque é que só te manifestas a nós e te ocultas ao mundo?» (João, XIV, 22).

É importante notar que a sobreposição das listas dos apóstolos, no Novo Testamento, leva os exegetas bíblicos a identificar o Tadeu de Mateus e Marcos com o Judas (irmão ou filho de Tiago) de Lucas e dos Atos2, e propor o nome combinado de Judas Tadeu. Tradições antigas associam, por seu lado, (Judas) Tadeu a (Judas) Tomé: segundo Eusébio, Tomé («um dos doze apóstolos») envia Tadeu («da lista dos setenta discípulos»), como evangelista, para a corte do rei Abgar, o Negro, soberano de Edessa (Hist. Ed., I, 13); a mesma história é reportada na Doutrina de Addai, que refere que Addai é enviado por Tomé a Abgar, na sequência das cartas trocadas entre este e Jesus (ed. Desreumaux, 1993, §. 7-8)1. No Evangelho segundo João, no entanto, não há referências a Tadeu. Aí, são, por outro lado, caraterizados individualmente no mesmo complexo temático um Judas «Iscariotes», um Judas «não Iscariotes», e um Tomé, «o chamado (em grego) Dídimo». Importa aqui referir que a adição de ó legomenos dídimos (João, XI, 16; XX, 24; XIV, 2) indica que o autor do texto tinha consciência de que Tomé não era um nome mas a tradução do termo sírio que significa «gêmeo» — o que parece ser, aliás, confirmado pelo fato de, na versão síria de João, a tradução de «Judas não o Iscariotes» ser, explicitamente, «Judas Tomé», e também por a expressão á legomenos dídimos ser omitida em vez de traduzida3.


  1. Os vários Atos (canônico e apócrifos), e nomeadamente os Atos de Tomé, são a narrativa da aplicação prática do programa evangélico: Jesus estipula que deverão privilegiar a evangelização de reis e governadores (a quem, através deles, o Espírito Santo falará).  

  2. Mt, X, 2-4; Mc, III, 16-19; Lc, VI, 13-16; Atos, I, 13, 25-26.  

  3. C.K. Barret, The Gospel according to St. John, London, 1956, in: Klijn, 1962:158.