Tomé

EVANGELHO PERSONAGENS — TOMÉ

EVANGELHO DE JESUS: João 20:24-29

Roberto Pla: Evangelho de ToméLogion 1
Dessa transcrição do Evangelho de Tomé se encarregou o apóstolo Tomé, em sua condição oculta de Dídimo, quando se revela o outro nome de sua dualidade: “Judas”.

O Hino da Pérola que cantou em prisão o apóstolo Judas-Tomé (na prisão de sua própria dualidade e justamente ao recuperar a unidade): “o vestido (de luz) me pareceu como um espelho de mim mesmo. O vi todo inteiro em mim mesmo e a mim mesmo inteiro nele; nós éramos dois diferentes, mas novamente, um em uma única forma.”

Manuel João Ramos: Caráter de Tomé

Certas temáticas teológicas dualistas, caras ao gnosticismo helênico assim como às tradições sírias e iranianas, valorizam a referência às noções de «invólucro», de «espelho» e de «imagem» no âmbito particular de uma ontologia mística. O recurso a esta literatura permitirá, adicionalmente, circunscrever os contornos que envolvem a figura, quase tutelar nessas tradições, do apóstolo Tomé, e a sua associação com o Preste João, tal como é expressa na Carta.

No logion 84 do Evangelho segundo Tomé, que segundo Henri-Charles Puech constitui uma das passagens mais enigmáticas e fundamentais do texto (Puech, 1978, II:111-112), está escrito: «Jesus disse: vendo a vossa aparência, vós alegrai-vos. Mas vendo as vossas imagens («enhikon»)1, produzidas antes de vós, que não morrem nem se manifestam, muito será o que suportareis» (Puech, 1978, II:23). Evocado o pessimismo do dualismo gnóstico e as ligações e divergências entre a Gnose e o neoplatonismo (Puech, 1978, I:55 segs., 83 segs.), Puech propõe interpretar este aforismo, em confronto com o logion 19 («feliz o que foi antes de o ser; aquele que conhecer as cinco árvores do Paraíso2 não conhecerá a morte»), nos termos seguintes: «(…) o eikon particular de cada Espiritual (individual) é a «imagem» eterna e pré-existente deste: ela é ele próprio tal como era originalmente, no seu princípio, antes da sua aparição no mundo, ele — arriscar-nos-íamos a escrever — tal como pré-existia a si próprio, a sua pessoa inteligível, integral, verdadeira, anterior ao personagem de quem, revestido de carne, ele tomou e conserva atualmente a aparência» (Puech, 1978, II:114)3.

No contexto específico do Evangelho, uma dialética ontológica assente sobre a oposição Corpo (corruptível) / Espírito (eterno), sugere a necessidade de conhecer e sofrer a corrupção exterior para a poder negar (renunciando a ela): «Jesus disse: aquele que conheceu o mundo encontrou o corpo, e o mundo não é digno daquele que encontrou o corpo» (logion 80)4. Porque «o Reino (de Deus) está no interior de vós e no exterior de vós» e porque «quando vós vos conhecerdes sereis conhecidos (por Deus)» (logion 3), este conhecimento é em si condição para a união dos termos contrários (Interior/Exterior, Eu/Outro, Espírito/Corpo, Homem/Divindade). O indivíduo, ao ver a sua alma imortal, ao ver as «imagens» (logion 84) ou ao ouvir as «palavras» escondidas (logia 13 e 108), e ao encontrar-se a si próprio (logion 111), tornar-se-á um com Deus (logion 108), isto é, tornar-se-á «estranho» ao mundo corruptível e à morte (logia 19 e 111).



  1. Jean Doresse traduz o termo copta enhikôn (= gr. eikon, pl. eikones) por modelos, não por imagens (Doresse, 1988:102). 

  2. As cinco árvores da vida ou os cinco elementos da natureza luminosa-espiritual (gr. nous); ver Puech, 1978, II:101. 

  3. Nos fundamentos da doutrina gnóstica do docetismo está a ideia de que a aparência física, carnal, do «salvador divino», não é mais que uma ilusão de óptica (gr. dokesis, «aparência»); através da gnose (do conhecimento místico), Cristo pode ser percebido como puro espírito (Chadwick, 1988:35), que vem a este mundo como um Salvador-fantasma, não incarnando verdadeiramente (Puech, 1978,1:265-266). 

  4. Trata-se da elaboração de uma passagem comum a pelo menos três evangelhos canônicos: «Quem achar a sua vida, perdê-la-á; e quem perder a sua vida, por amor de mim, acha-la-á» (Mateus, X, 39; ver também Lucas, X, 40 e João, XII, 25).