Excertos da apresentação de sua obra «Terapêutica das Doenças Espirituais» [LTMS]
A finalidade da Cristologia é fazer lembrar ao homem sua natureza divina, na figura do filho de Deus, para assim promover sua deificação “Deus se fez homem a fim de que o homem possa se tornar Deus”. Fórmula precisa da Encarnação do Verbo.
Unindo em sua Pessoa divina as duas naturezas, divina e humana, sem confusão nem separação, o Cristo conduz o humano a seu estado primordial, aparecendo como o Novo Adão, retomando a perfeição a qual sempre foi destinada: a perfeita semelhança à Deus e a participação à natureza divina. (vide 2 Pedro 1,4)
Na tradição ortodoxa, como demonstra Vladimir Lossky, a imagem terapêutica de Cristo é tão valorizada quanto a imagem redentora. Seu fundamento é solidamente ancorado nas escrituras onde o Redentor é o Salvador, no sentido original em que salvar (em gr. sozo), frequentemente usado no Novo Testamento, significa libertar, tirar de um perigo, mas também curar; sendo o termo soteria (salvação) a libertação, mas também a cura (sentido duplo encontrado em copto e até em italiano onde la salute designa ao mesmo tempo a salvação e a saúde).
O próprio nome de Jesus significa YHWH salva (Mt 1,21 e Atos 4,12), ou seja, Jesus cura. E o Cristo assim se apresenta a Si-Mesmo, como terapeuta (Mt 8, 16-17; Mt 9, 12; Mc 2,17; Lc 4, 18-23). E é assim que os profetas o anunciam em Is 53,5 e Salmos 103,3. Podendo-se ainda destacar a parábola do Bom Samaritano, que parece indicar uma representação do Cristo-Terapeuta — Orígenes, Homilias sobre São Lucas XXXIV e Comentário sobre São João XX, 28.
Os Padres quase unanimemente e desde o primeiro século, Lhe aplicaram de maneira corrente o nome de Médico, aí aditando frequentemente os qualificativos de “grande”, “celeste”, “supremo”, precisando ainda mais, segundo contexto: “dos corpos”, “das almas”, mais frequentemente “das almas e dos corpos”, enfatizando que é o o homem por inteiro que Ele veio curar. Esta apelação figura no centro mesmo da liturgia de S. João Crisóstomo e nas maior parte das fórmulas sacramentais. Encontra-se constantemente em quase todos os serviços litúrgicos da Igreja Ortodoxa e em bom número de fórmulas de oração.
Se o Cristo aparece como um médico e a salvação que aporta como uma cura, é que a humanidade está doente. Vendo no estado adâmico primordial o estado de saúde da humanidade, os Padres e toda Tradição veem no estado de pecado que caracteriza a humanidade decaída em consequência do pecado original um estado de doença multiforme que afeta o homem em todo seu ser. Esta concepção de uma humanidade doente do pecado encontra seu fundamento escriturário (Salmos 13 e 143, além de Isaías 1 e Jeremias 8) que não deixaram de ser exploradas pelos Padres que, seguindo os profetas, evocam a impotência dos homens da Antiga Aliança em encontrar um remédio para seus males de tal modo são graves, seu apelo a Deus ao longo das gerações, a resposta favorável de Deus que constituiu a Encarnação do Verbo que único, porque era Deus, estava em condições de realizar a cura que esperavam.
A salvação/cura de toda humanidade e sua deificação (theosis) realizada na Pessoa do Verbo de Deus encarnado são dadas pelos pelo Espírito Santo a cada batizado que na Igreja se une ao Cristo. Mas nada mais são que potenciais: o batismo deve assimilar este dom em todo seu ser. É o papel da vida espiritual, da ascese.
Resumo construído a partir da tradução do índice do livro original em francês, sobre o qual estaremos aditando excertos traduzidos desta obra notável de Larchet
Desde a origem, a salvação foi considerada pelos Padres da Igreja como uma cura aportada pelo Cristo médico das almas e dos corpos para a humanidade doente. Esta concepção, que encontra nas Escrituras e na liturgia sólido respaldo, foi integrada pela tradição ascética do Oriente cristão, a ponto de se constituir em verdadeiro método diagnóstico e terapêutico das doenças espirituais.
Este método foi estruturado ao longo do tempo, com base na antropologia cristã definida pelos Padres, por gerações de espirituais. Estes exploraram a alma humana em seus desdobramentos; aprenderam a dominar todos os movimentos e se aplicaram a transformá-la. Um tal método progressivamente adquiriu uma coerência, uma precisão e uma profundidade notáveis.
É o que põe em evidência, com muito rigor e clareza, este estudo original, vasta síntese dos ensinamentos patrísticos e ascéticos orientais dos séculos I ao XVI: ela apresenta uma visão renovada da doutrina cristã da salvação e constitui um verdadeiro tratado, ao mesmo tempo teórico e prático, de psicologia e de medicina espirituais. Este livro representa também uma soma sobre a espiritualidade ortodoxa sem equivalente até nossos dias.
Resumo:
- INTRODUÇÃO (acima)
- A SAÚDE ORIGINAL E A ORIGEM DAS DOENÇAS. PREMISSAS ANTROPOLÓGICAS
- A saúde primordial do homem
- A origem das primeiras doenças. O pecado ancestral
- Patologia do homem decadente
- NOSOGRAFIA E PATOGÊNESE DAS DOENÇAS ESPIRITUAIS: AS PAIXÕES
- AS PAIXÕES, DOENÇAS ESPIRITUAIS
- A transmissão das doenças espirituais na humanidade decadente
- Condições gerais da terapêutica
- O Cristo médico
- As terapêuticas sacramentais
- AS CONDIÇÕES SUBJETIVAS DA CURA E A SAÚDE EM CRISTO
- O processo da cura: a conversão interior
- Processo da terapêutica
- O duplo movimento da conversão. A praxis
- ESBOÇO DA TERAPÊUTICA DAS FACULDADES FUNDAMENTAIS DA ALMA. PROCESSO DAS VIRTUDES GENÉRICAS
- O papel terapêutico do pai espiritual
- A manifestação dos pensamentos
- O combate contra os pensamentos
- Terapêutica adjuvante: a ascese corporal
- A terapêutica das paixões e a aquisição das virtudes
- Terapêutica da gastrimargia. A temperança
- Terapêutica da luxúria. A continência e a castidade
- Terapêutica da filargiria e da pleonexia. A não-possessão e a esmola
- Terapêutica da tristeza. A aflição, a compunção e a alegria
- Terapêutica da acedia
- Terapêutica da cólera. A doçura e a paciência
- Terapêutica do temor. O temor de Deus
- Terapêutica da vaidade e do orgulho. A humildade
- A saúde reencontrada
- A impassibilidade
- A caridade
- O conhecimento
- Conclusão