Evangelho de Tomé — Logion 28 <= LOGION 29 => Logion 30
Jesus disse: se a carne (sarx) foi causa do espírito (pneuma), é uma maravilha; e se o espírito a causa do corpo (soma), é uma maravilha das maravilhas. Mas me maravilho disto: como esta grande riqueza se pôs nesta pobreza? EVANGELHO DE JESUS:
Roberto Pla A riqueza e a pobreza das quais fala o logion não consistem em ter ou não, os bens materiais da terra, mas em atribuir-se ou não em propriedade, como prolongação inadequada de si mesmo tudo aquilo que sendo mera vestimenta do Ser não é o Ser puro, desnudo, o Filho do homem.
Na linguagem testamentária, a riqueza é nomeada muitas vezes com essa acepção oculta, religiosa, que designa todo o superposto ao espírito e a "pobreza", pelo contrário, o desprendimento generoso de tudo o que não é estritamente "seu si mesmo", a absoluta humildade, a "nadificação", a não identificação com nada, de modo que nada mais reste que o homem pneumático puro.
Esta humildade, esta pobreza a descreve a mensagem evangélica em seu mais alto sentido de descobrimento do verdadeiro si mesmo, pois a obra de Jesus se funda sobretudo, em nos dar os meios para levar nossa consciência desde o “Adão alma vivente” onde se acha ancorada, revestida de “riquezas”, até a consciência “pobre”, desnuda, o Adão último, glorificado, a do espírito que dá vida.
De acordo com o sentido das expressões paulinas, o primeiro homem, natural, terreno, é, com efeito, “rico” e o segundo homem, espiritual, celeste, é o “pobre” para quem o evangelho foi anunciado com o propósito de ajudá-lo a liberar-se do cativeiro.
A acepção oculta da riqueza e da pobreza aparece expressa explicitamente em alguns lugares do Antigo Testamento, mas sem dúvida resultava muito necessário que a explicação dos motivos que urgiam quanto a realizar a “pobreza”, fora renovada no coração e no entendimento dos homens no evangelho novo proclamado por quem disse que não vinha abolir a Lei, senão dar-lhe cumprimento.
Esta acepção se acha mui claramente aplicada pelo salmista:
Este sentido oculto se revela também no anúncio do profeta Isaías que Jesus faz seu quando o lê na sinagoga de Nazaré. A importância da passagem é grande não somente porque serve de vínculo entre ambos testamentos senão porque é, em definitivo, um síntese de intenções do Evangelho:
Não há dúvida de que a acepção de “pobre” anunciada pelo profeta e reivindicada por Jesus é a oculta, pois se não, quem poderia afirmar que o desígnio de Jesus foi o de anunciar seu evangelho unicamente aos que estão em privação de bens materiais? No final das constas, a situação mais grave desde o ponto de vista celestial e mais necessitada de escutar a Boa Nova é a dos ricos que, em tal caso, poderão encontrar sérias dificuldades para entrar no Reino.
Em definitivo, do que fala Jesus ao “jovem rico” (vide Riqueza), é do tesouro que encontrará nos céus, se é capaz de renunciar a tudo aquilo com o que se identifica sua rica consciência de “Adão alma vivente” e consente na pobreza do espírito, pois o espírito — o Filho do homem — é, segundo adverte Jesus em seu diálogo com Nicodemo: “o que baixou do céu e ao único, em consequência, que lhe estará reservada a glória de “subir ao céu” (Nascer do Alto). Isso o diz também Mateus: “Bem-aventurados os pobres de espírito porque deles é o Reino dos Céus” (vide Bem-aventurados).
Mas o logion começa com a confissão do assombro que produzem as diversas relações entre o “espírito que dá vida” e a carne “alma vivente”, isto é, que recebe a vida em empréstimo. Em verdade, há uma escala ascendente de maravilhas. Maravilha é que a carne de vida mortal tenha sido originada pelo espírito de vida eterna, e maravilha de maravilhas é que o espírito de vida eterna possa ser achado a partir da carne mortal; mas a verdadeira maravilha sobrevém ao contemplar que toda essa vazia “riqueza” de vida mortal de signo psíquico e somático foi sobreposta à vida imortal, até o ponto de constituir-se em envoltura e ocultação ante a consciência, do espírito “pobre”, puro e dador de vida.
Poderá parecer que este logion se inscreve no dualismo carne-espírito, mas não é assim dada a transitoriedade do “vivificado”. Responde o logion ao pensamento joanico:
Certamente. Quando a riqueza seja queimada e o “trigo” (pobre, seja) recolhido no celeiro, então será chegada a hora da “liberdade dos reclusos” e será restabelecida a unidade anunciada por Isaías e proclamada por Jesus.