EVANGELHO DE TOMÉ — Logion 27=>LOGION 28<=Logion 29
Jesus disse: me mantive no meio do mundo e me revelei na carne. Encontrei-os todos ébrios, sem que nenhum deles tivesse sede; e minha alma sofre pelos filhos dos homens porque estão cegos em seu coração sem ver que vieram ao mundo vazios e, estando vazios buscam sair do mundo, mas agora estão ébrios. Quando tenham expulsado seu vinho se converterão (Roberto Pla). EVANGELHO DE JESUS:
Roberto Pla O texto do logion começa por conjugar as duas vertentes oculta e manifesta do Cristo Jesus. Como Filho do homem oculto se manteve Cristo e se manterá para sempre porque é eterno e não há de passar, em meio do mundo, na realidade inabalável de ser, com respeito a todo homem, a essência desconhecida, o si mesmo verdadeiro e puro de cada um; mas como Filho do homem manifesto, se revelou Jesus Cristo na carne para ensinar assim a todos seu evangelho.
A embriaguez que aqui se menciona tem na Escritura duas acepções, positiva e negativa. No primeiro caso aparece como uma manifestação de alegria ou plenitude espiritual, mas neste logion deve ser interpretada em seu sentido negativo, como incapacidade para permanecer em vigília, alerta, na espera do Dia do Senhor. Este estado de “imprudência” quanto à vida religiosa se reputa como ausência de sobriedade.
As duas acepções da expressão “ébrios”, “positiva e negativa”, se relacionam com as imagens do vinho e também do sangue, com vários exemplos na Escritura. Da forma positiva da expressão espiritual da embriaguez o exemplo mais ilustre por sua antiguidade e transcendência é o que se relata de Noé.
Não é nada difícil relacionar a vinha de Noé, o pai da raça humana pós-diluviana, com essa vinha — que não é outra senão a mesma — da que fala Jesus no evangelho de João: "Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o lavrador" (Jo 15:1). [...] Por seu patrimônio oculto de ser a videira verdadeira, embora isto tenha sido proclamado “manifestamente” no quarto evangelho, corresponde a Jesus unicamente a obra salvífica de converter a água em vinho e isso é o que sob a roupagem de um relato familiar conta João em seu evangelho quando explica o sucedido durante a celebração das bodas de Caná (vide Bodas).
Convém observar que o evangelista situa este relato durante a semana inaugural do ministério de Jesus, semana que segundo o testemunho de João e a convocatória dos primeiros discípulos, reúne três episódios que são correlativos no desenvolvimento espiritual segundo o processo da Boa Nova: as bodas de Caná, a purificação do templo e a entrevista com Nicodemo. Estes três episódios se enfocam desde uma perspectiva bem diferente da usada pelos sinópticos mas confluem com estes a uma proclamação idêntica do Reino dos Céus. [...] Mas dissemos que a embriaguez que menciona Jesus neste logion leva signo negativo. São Paulo explica muito bem esta ambivalência da ebriedade segundo a linguagem testamentária.
Jesus chama ébrios segundo se infere do logion, aos que sem beber o sangue ou o vinho novo, sem provar o fruto da videira verdadeira, aparecem “como influídos de espírito de vertigem” (Is 19,14), dão voltas e vacilam como ébrios (Sl 107, 26-27). Os ébrios desta espécie, não têm sede de justiça, nem sentem inquietude alguma por converter-se à vida eterna do homem pneumático para merecer ser contados no livro dos justos; estes são os que não têm sede de “sangue até a embriaguez” (positiva; Ez 39,19), própria de quem alcança a plenitude do espírito.
O logion recorda a estes homens cegos em seu coração, que vivem “segundo a vacuidade de sua mente”, os quais não devem pretender sair deste mundo estando vazios porque “a embriaguez e as preocupações fazem os corações pesados”, e em tais condições a chegada daquele Dia será de improviso.
Por isso, a Boa Nova, sua mensagem, convida a expulsar o vinho da vacuidade para depois “ser sóbrios e vigiar”.
Então os conteúdos de água se converterão em vinho novo, pois este é o signo do batismo do Espírito. Paulo Apóstolo não cessa de aconselhar essa atitude de alerta, de descobrimento verdadeiro do sentido de cada gota de água, de cada conteúdo psíquico para purificá-lo e convertê-lo em espírito, pois esta é a significação real da metanoia.