Torah Oral Escrita

TORAH — TORÁ ORAL E ESCRITA
CABALA
René de Tryon-Montalembert e Kurt Hruby
Quando o Eterno escolheu um povo destinado a transmitir ao mundo inteiro a luz da sua Revelação, e para que essa escolha se pudesse ver concretizada de uma forma durável na nossa massa humana, uma prova devia ser dada: foi o Sefer ha-berit, «Livro da Aliança» (cf. Êxodo, XXIV, 7), peça mestra da Bíblia, contrato de compromisso recíproco; melhor ainda, um verdadeiro contrato de núpcias, assinado e concluído entre o parceiro divino, «o verdadeiro Deus», o Deus fiel que guarda a sua aliança e o seu amor durante milhares de «gerações» (Deuteronômio, VII, 9-10), e a comunidade, o povo dos filhos de Israel, convidados a conservar ciosamente este tesouro da Torá, o Tesouro da Lei[[O termo Torá —da raiz verbal Y-R-H— significa em primeiro lugar «ensinamento». A Torá contém a revelação feita por Deus a Moisés, no Sinai, consignada no Pentateuco. (Cf. [Torá)]].

Esta Torá, esta lei, é evidentemente, no sentido restrito, o tesouro das «Tábuas» sagradas — o Decálogo, os dez Mandamentos burilados na pedra pelos próprios dedos de Deus — entregue a Moisés; mas é também, no sentido mais amplo, todo o conjunto da Lei Escrita, da Torá escrita, que excede largamente o Decálogo até englobar os cinco livros do Pentateuco[[O Pentateuco — «O livro das cinco partes» — contém os seguintes escritos: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. (Cf. Pentateuco]] e mesmo o conjunto dos Profetas e Hagiógrafos[[Os profetas Isaías, Jeremias, Ezequiel, etc, e os hagiógrafos: Salmos, Cântico dos Cânticos, Job, etc. (cf. Tanakh.]].

A Torá escrita contém já em si uma revelação divina completa. Mas, além da tradição, outros livros bíblicos foram necessários por causa da incapacidade de Israel em assenhorear-se do conjunto de uma tal imensidade de riquezas. Lemos num Midrash[[Interpretação do texto sagrado por um aprofundamento do seu conteúdo (cf. Midrash.]]: «Se Israel tivesse sido digna (da Torá), a revelação contida nos livros proféticos e nos hagiógrafos tinha sido inútil.»

No entanto, por causa deste caráter fundamental da Torá (mesmo reduzido aos cinco primeiros livros da Bíblia, mas considerados como a base por excelência da revelação), os Profetas e Hagiógrafos não trazem nada em si que não se encontre já lá contido.

Decálogo, Pentateuco, Profetas e Hagiógrafos, tal é a Lei Escrita que não se contenta em abrir o espírito humano às realidades que o transcendem mas permanece antes de tudo o Testemunho da Aliança.

Ora esta aliança não seria conhecida sem o cumprimento dos mitzwot[[Mitzwah, no plural, Mitzwot: os mandamentos divinos contidos na Torá (cf. Mitzwah.]] que se encontram contidos na Torá, sem uma permanência na história dos homens: ela aparece, portanto, como que marcada por um caráter essencialmente normativo.

A multiplicidade das prescrições contidas no Pentateuco suscita então uma pergunta: «Que se deve fazer quando se põe um problema acerca da interpretação prática desta ou daquela passagem?» O Deuteronômio tem a resposta: «Quando alguma coisa te for dificultosa em juízo (…) virás aos sacerdotes levitas e ao juiz que houver naqueles dias (…) eles te anunciarão a palavra que for do juízo. E farás conforme ao mandado da palavra que te anunciarão (…) e terás cuidado de fazer conforme a tudo o que te ensinarem. Conforme ao mandado da lei que te anunciarem, e conforme ao juízo que te disserem, farás; da palavra que te anunciarem te não desviarás nem para a direita nem para a esquerda» Deuteronômio, XVII, 8-11). E este é o fundamento da interpretação a que nós chamamos a «Lei oral» e que se encontra codificada na Mishna e na Guemara[[A Mishna é o principal documento da literatura rabínica antiga. A Guemara é o comentário à Mishna (cf. Mishna e Guemara.]], da qual são originários os dois Talmudes, da Babilônia e de Jerusalém[[A Mishna e a Guemara formam, juntas, o Talmude («ensinamento») (cf. Talmude.]].

Mas, de uma maneira simultaneamente paralela e correlativa às duas Torás — escrita e oral —, é transmitida uma tradição que provém igualmente da mais alta Antiguidade e que é formada por toda a interpretação simbólica e mística da Revelação. Há quem a faça também remontar a Moisés. Tal é, de uma forma sucinta, a origem da Cabala, a que nós podemos chamar «a cadeia da tradição» (shaletshel et ha-qabbalah) e comparar à escada de Jacob, capaz de ligar a terra ao céu e de realizar a unidade do universo. A Cabala «não é outra coisa senão a mística judaica»[[Gershom Scholem: Les grands courants de la mystique juive (Paris, Payot, 1950, p. 174).]].


NOTAS:



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