Divino

TRADIÇÃO — DIVINO

Mestre Eckhart:

Segundo o notável estudo que John Caputo fez sobre Eckhart, enquanto fonte mística do pensamento de Martin Heidegger, entendemos que um discurso sobre o Divino, Deus, pode se dar por uma simples mas pungente afirmação “esse est deus”, ou seja, “ser é Deus”. É no Prólogo do Opus Tripartitum que Eckhart estabelece esta como sua “primeira proposição” da qual, cuidadosamente, praticamente tudo que pode ser conhecido de Deus pode ser deduzido. A proposição “esse est deus”, não é formulada como em Tomás de Aquino, de modo invertido e mais comum, deus est suum esse, mas de modo mais extremo, “ser é Deus”. Tomás de Aquino, realista e aristotélico, enfatizava que as criaturas possuíam sua parte própria e proporcional em ser, enquanto Deus possuía a plenitude ilimitada de ser ele mesmo. Mas o místico Eckhart, ao contrário, enfatiza ao máximo a dependência radical das criaturas de Deus. Por si mesma, Eckhart diz, a criatura é “absolutamente nada” (nihil penitus), uma “puro nada” (ein reines Nichts) nem mesmo algo módico. A criatura não tem ser “em si mesma” absolutamente, mas somente “em Deus”. As coisas criadas têm ser, Eckhart sustenta, assim como o ar tem luz. O ar não “possui” a luz; simplesmente a recebe enquanto o sol o ilumina. A luz não é “enraizada” no ar, mas em sua fonte, o sol. Da mesma maneira, a criatura não “possui” ser, não tem “apreensão” dele, mas ao contrário continuamente recebe ser de sua fonte, ser ele mesmo. Ser é Deus, quer dizer, ser pertence propriamente somente a Deus, unicamente no qual é originalmente “enraizado”.

Doroteo de Gaza
Criando o homem Deus implantou nele algo divino — um certo pensamento como uma centelha, tendo tanto luz quando calor, um pensamento que ilumina a mente e mostra o que é bom e o que é mau. Isto é chamado consciência e é uma lei natural… Através da Queda os homens cobriram e sufocaram a consciência, por conseguinte levantou-se a necessidade de reacender esta centelha enterrada.


FILOSOFIA
Excertos de “Les Notions philosophiques”. PUF, 1990.
O divino está na origem estreitamente associado à criação artística, considerada como uma emanação do espírito divino, em Platão ainda como uma manifestação do “furor divino”. Na época do Renascimento, o artista é ele mesmo divinizado em razão de sua faculdade criadora. Segundo a estética de Hegel, o divino é o conteúdo verdadeiro de toda grande arte, na medida que põe em jogo valores universais, encarnados nas figuras individualizadas.

Aristóteles: Excertos de Julián Marías — O TEMA DO HOMEM
Tal vida seria, porém, superior à condição humana; com efeito, não viverá assim enquanto homem mas enquanto nele reside algo divino; e quanto difere isto do composto, outro tanto excede essa atividade da que se realiza segundo as demais virtudes. Ora, se o entendimento é algo divino em relação com o homem, também a vida conforme a ele é divina em relação com a vida humana. Não há que ter, como alguns aconselham, sentimentos humanos, visto que se é homem, nem mortais, já que se é mortal, mas imortalizar-se quanto é possível e fazer tudo para viver de acordo com o mais excelente que há em si; pois ainda que pequeno por sua massa, por sua potência e dignidade excede em muito todas as coisas. E pareceria que cada um de nós consiste nisto, se o principal é também o melhor. Seria, portanto, absurdo não escolher a própria vida mas a de algum outro. E isto está de acordo com o que dissemos anteriormente, pois o próprio de cada coisa, por natureza, é o mais excelente e agradável para cada coisa; e para o homem, por conseguinte, a vida segundo a inteligência, se o homem é isto primariamente. E esta vida é, ademais, a mais feliz. (Ética a Nicômaco, X, 1177 b 26-1178 a 8.)

Eudoro de Sousa: SEMPRE O MESMO ACERCA DO MESMO
Fenomenológica e historicamente, a presença da religiosidade, monoteística ou politeística, impõe-se à nossa atenção, mesmo que, por vezes, só como a das águas sussurrantes de uma torrente subterrânea. E nossa convicção, até agora inabalável, que, seja ela o que for, dela emerge originalmente tudo o que se possa dar por testemunho da ciência e da consciência que temos de nós e do mundo, e de suas relações mútuas. Temos de admitir, também que se trata da forma mais proeminentemente dramática do quer que hajamos por atividade gnósica. Além disso, como algum deus ou alguns deuses intervêm na representação, não há palavras ofensivas ou silêncio desdenhoso que possa destituí-la de sua superioridade, posto que um deus ou os deuses, quaisquer que sejam, não deixam de ser, na consciência de quem os cultua, a marca indefinível de uma absoluta supremacia sobre tudo o mais. A contraprova está patente: onde se não queira falar de Deus, de deuses, de religião, o «valor supremo» tomará sub-repticiamente o seu lugar. Historicamente, portanto, e sobretudo, fenomenologicamente, está antes e sob todas as formas de relacionamento do que nós somos, com a nossa circunstância (como diria Ortega y Gasset), e para além desta, com o quer que venha a denominar-se, por via filosófica, de Ser, de Um, de Absoluto. Todos os povos, em todos os tempos e lugares, prestam culto a uma divindade, isto é, desempenham seu papel num drama ritual que — já o escrevemos repetidas vezes — é o que eles fazem, pensam e dizem, quando e porque os deuses lhes são presentes, e não quando pretendem que eles se lhes apresentem. O argumento ou o libreto do drama não se pode garantir que seja da própria autoria de quem o desempenha. Também já nos cansamos de glosar o mote da interdependência da ação e do respectivo cenário. Não se diga, pois, que uma seja a criadora, e outro a criatura; a relação entre ambos é o de simultaneidade no surgimento de duas partes da mesma criação, ou melhor, do desvelamento do horizonte que resulta da mesma Fulguração Ofuscante ou do mesmo Regime de Fascinação. Na perspectiva de um desenvolvimento fenomenológico, assim, impropriamente chamado, já que nenhuma razão nos assiste para crer na «continuidade» que tal desenvolvimento parece implicar — não há motivos suficientes para supor que o rito precede o mito; os mais certificados exemplos de semelhante precedência, só afetam o que verdadeiramente o não é — referimo-nos, é claro, ao mito «etiológico», quer dizer, àquele que manifestamente foi inventado para expor as causas de um ritual cujo sentido se perdeu na mais cerrada obscuridade de um passado distante, ou profundamente soterrado no olvido, pela complexa sedimentação de muitas e mui diversas culturas. Casos, porém, se nos deparam, em que se deixa insinuar uma suspeita bem fundada, da precedência do ritual, que não parece mera expectativa de uma «etiologia» não inventada ainda.

DESTAQUES: Absoluto; Abismo; Adonai; Allah; Alfa e Omega; Amem; Ahriman; Avatara; Beleza; Bem; Brahma; Brahman; Cordeiro de Deus; Cristo; Deidade; Deus; Divindade; deuses; Eu Sou; Filho de Deus; Filho do Homem; Hamsa; Hiranyagarbha; Homem Universal; Ira Divina; Ishwara; Jesus; Luz; Mãe; Majestade; Messias; Nada; Nomes de Deus; Om; Paracleto; Personalidade; Prakriti; Purusha; Salvador; Ser Puro; Shiva; Shakti; Shekinah; Santo de los Santos; Santíssima Trindade; Testemunha; Tetramorfos; Todo-Poderoso; Transcendência-Imanência; Trevas Divinas; Uno; Verbo; Verdade; Wakan-Tanka


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Figurações – Personagens