Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal [PNTA]

VIDE: Árvore do Conhecimento; Árvores do Paraíso

ÁRVORE DO CONHECIMENTO DO BEM E DO MAL [PNTA]

Se o “bom” e o “mau” são valores tardios, mas autenticamente judeus, “o Bem” e “o Mal” são sublimações gregas, herança das Ideias de Platão na moda em Alexandria no terceiro século antes de nossa era, que nossos modernos tradutores não tiveram qualquer desculpa de utilizar. Não podem ignorar com efeito que depois da palavra “conhecimento” o código em hebreu não alinha dois substantivos mas dois adjetivos que separados significam um “bom” e o outro “mau” mas que , reunidos pela conjunção de coordenação formam uma expressão idiomática, que quer dizer “todo”.

O hebreu dispõe de uma palavra própria para “todo” assim como vários outros pares antagonistas para exprimir a totalidade no domínio espacial, temporal, etc. O par “bom” e “mau” concerne o domínio mais geral. Ele aporta além disso aqui uma nuance mental (não moral) que não é infelizmente traduzível sem perífrase. Assim considero a tradução mais literal: “Árvore do Conhecer Totalmente”. Ou se preferir, “Árvore do Conhecimento Global”. é menos elegante que “Árvore da Onisciência” mas mais exato, ficando claramente menos sutil que o hebreu, com seus dois adjetivos de pano de fundo.

O substantivo significando “conhecimento” no código, D’T, é idêntico ao infinitivo do verbo “conhecer”. Precedido do artigo definido pode se traduzir “o conhecer” e seguido de um advérbio, verter corretamente ao francês a volta hebraica onde o par “tov wara” é empregado adverbialmente depois de um substantivo. Por conseguinte, mais ainda que em francês, o infinitivo em hebreu é uma forma “nominal” do verbo, e é possível que o D’T do HD’T do código seja efetivamente o verbo, que figura no fim do relato em 3,22.

Para uma simples lição de moral a “arvore da obediência e da desobediência” teria sido suficiente, e a “Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal” pareceria inutilmente complicado. Mas o mais grave erro da tradição é de isolar na fórmula a árvore do pretendido nome da árvore, enquanto se trata, o repito, de um código cuja palavra “árvore” faz parte assim como as palavras “conhecimento” e “totalmente”. Os três (quatro em hebreu) formam um conjunto indissolúvel no Éden,e a prova disto é que a “Queda” consiste em sua dissolução após sua ruptura. E que cada vez que o texto faz referência ao código é com uma alusão a esta ruptura como ameaça, ou como catástrofe quando ela é consumada.

O código não figura senão duas vezes por inteiro no relato do Jardim do Éden (2,9 e 2,17) mas o texto se refere ao mesmo várias vezes indiretamente na boca da mulher (3,3), da serpente (3,5) e de Deus (3,11 e 17), empregando como no alerta de Deus (2,17) com insistência a mesma partícula MMNW (pronunciado “mimmenou”), que é a forma sufixada da terceira pessoa da preposição MN (pronunciado “min”), após o verbo significando “comer”, “consumir”. Ora estes MMNW são em cada um destes casos, sintaticamente “redundâncias” aparentemente supérfluas para a compreensão da frase do qual fazem parte, onde não fazem mais que duplicar formas simples da preposição MN. De fato eles chama a atenção, repetindo-a sob uma forma desenvolvida, sobre esta preposição ambivalente que pode indicar seja a proveniência, seja a ruptura, a separação. E é este último sentido que me parece querer sublinhar estas repetições, estas redundâncias, esta insistência certamente inabitual, posto que a forma MMNW, quase ausente do livro do Gênesis, não figura menos de sete vezes no relato do Jardim do Éden, sempre depois do verbo “comer”, “consumir” (explícito ou subentendido). Quando é questão em nossas bíblias francesas de “comer da árvore” ou de “consumir da árvore”, é portanto no texto hebreu “comer fora da árvore”, de “consumir fora da árvore” que se trata, para desaconselhar ou deplorar a ruptura do código pela absorção do “conhecer totalmente” e sua separação da “árvore”. Entre “comer” e “cortar” há em hebreu um parentesco semântico muito antigo que aparece no nome da faca empregada por Abraão no sacrifício de Isaque: M’KLT (pronunciado “maakelet”) derivado da raiz ‘KL, comer.

Se código há, é que a coisa que quer comunicar não é evidente, que se deve refletir para compreendê-la. Não é uma metáfora nem uma explicação racional. É um enigma a decifrar, um enigma que aqui não é nada gratuito para o prazer de intrigar, mas que corresponde ao que se tornou para nós na “condição humana” o estado edênico do qual tenta nos dar conta. O relato do Jardim do Éden não é um escrito na linguagem (suposta) do Éden mas na nossa que completamente inadequada para disso falar, como cores a um cego. Temos a nostalgia do Éden mas nenhum elemento para nos imaginá-la concretamente. Então o relato nos propõe, ao lado de símbolos e alegorias mais ou menos transparentes, pelo menos dois códigos sob a forma de conjuntos combinando noções cuja reunião, artificial, pode nos dar uma ideia, ou melhor um equivalente, do mundo que perdemos. Assim é do código “Árvore de Vida”, relativamente fácil a compreender, pois a imortalidade constitui uma aspiração universal, embora inconfessada, e vivida praticamente por cada um no cotidiano. Enquanto o que significa o código “árvore do conhecer totalmente” me bastante mais elaborado…

Tateei muito tempo mas creio ter encontrado a resposta. Este código que tem ar complicado, tão inutilmente complicado na tradução e mesmo no original, onde se reúnem quatro palavras principais, “árvore”, “conhecer”, “bom” e “mau” estas últimas ainda mais em conjunto no sentido de “em tudo”, designa nada menos e nada mais — mas é incomensurável — que a Realidade. A realidade o Éden, a realidade de nossa natureza. Resumindo a realidade “tout court”, aquela da Criação. Reflitamos. Que é a “árvore” senão o símbolo da Vida (e só há árvores no Jardim do Éden). E o que é “conhecer” senão aceder à realidade? E “conhecer totalmente” senão aceder a realidade integral? e a Vida desta “realidade integral” até aqui conceitual, senão a Realidade ela mesma?

Até aqui conceitual, pois as noções que reúne o código não serão jamais suficientes a recolar entre eles os fragmentos da dita Realidade que evocam em nossa linguagem, sem um salto qualitativo, um pouco comprável tá;vez àquele da Criação, mas que não me parece, ele, fora de nosso porte. Com efeito diferentemente da Criação, do qual procede e testemunha, e que dela se constitui, se se pode dizer, o aspecto “objetivo”, a Realidade sai “subjetivamente” do cérebro do Homem, aparece e desaparece com ele. O cérebro do Homem que é a obra suprema da Criação. “Na cabeça” (Bereshith) segundo as primeiras letras da Bíblia a energia divina ordena o “tohu-bahu”, o magma sem forma nem significação que deriva de toda eternidade no vazio da matéria. “Na cabeça”, quer dizer na cabeça do Homem, o mundo com a liberdade é Criado por Deus, e esta visão que dele tem o Homem “no princípio” e no Éden, é esta “os céus e a terra”, é esta a Realidade. Certamente na condição humana, não a conheço — assim como a Criação — mas nela creio. É meu postulado de base: existe uma Realidade fora de mim, mas não fora do Homem. Realidade que corresponde à natureza do Homem original, do qual guardei a nua-propriedade mas perdi o desfrute. Espero um dia encontrá-la, mas aguardando ela me escapa. Ela nos escapa a todos desde seu rompimento que provocou a “Queda” — a queda do Conhecimento que dela se destacou.

Em seu lugar, o que denominamos comumente, “cientificamente”, a realidade é a consequência desta “Queda” que se produziu, ela também, “na cabeça”.