Scopello: gnostikos

Madeleine Scopello, resumo adaptado de seu livro Les gnostiques

O itinerário do gnóstico (gnostikos), em grego; aquele que conhece) está perfeitamente resumido neste questionamento de Teodoto (Excerpta ex Theodoto), mestre gnóstico do século II, da corrente de Valentino: “Quem somos? O que nos tornamos? Onde estamos? Onde fomos jogados? Onde vamos?”. Esta preocupação de se conhecer e de investigar suas próprias origens é o leitmotiv de toda especulação gnóstica.

O mundo é o resultado de uma armadilha disposta por poderes maus. O gnóstico, e ele somente, pode dela se subtrair graças à centelha de conhecimento (gnosis, em grego) encerrada no mais profundo dele mesmo. É um dom divino reservado a eleitos, que lhe permite se unir a Deus ou melhor reintegrá-lo.

Um texto gnóstico denominado o Estrangeiro pertencendo ao conjunto de documentos da Biblioteca de Nag Hammadi, expões este modo de pensar. É a revelação de um anjo, Youel, a um “iniciado”, denominado Allogene? (gr. allogene = estrangeiro, de outra estirpe): “Youel me disse: ‘Todos não podem entender estas proposições, ó Allogene. Tu foste revestido de um grande poder pelo Pai do Todo (…) a fim de que pudesse discernir (diakrisis) o que é difícil a discernir e conhecer, aquilo que desconhecido para a maior parte. A fim de que remontes Àquele que é teu’”.

O conteúdo das revelações e a participação no conhecimento transformam o iniciado, o tornam divino: “Eu retornei a mim mesmo, tendo contemplado a luz ao redor de mim e o bem que estava em mim. Eu me tornei Deus, disse Allogene”.

Compreende-se porque esta religião gnóstica, como denomina Hans Jonas poderia ter de desagradável, até de arrogante, aos olhos das autoridades eclesiásticas da época. O cristianismo queria ser uma religião para todos. A salvação era proposta a todos na predicação pública do Evangelho. A religião gnóstica, ao contrário, pretendia ser uma religião reservada a eleitos: não se escolhia ser gnóstico. Se é desde sempre. Não há, pelo menos em teoria, conversão ao gnosticismo.

Os Padres da Igreja se preocuparam em responder a estes teólogos que pretendiam ser os únicos herdeiros das palavras ocultas de Jesus.

Convencido de ser os únicos depositários das tradições secretas, os gnósticos compuseram uma vasta literatura que se interroga sobre as relações entre o homem, o universo e Deus. Mitos complexos e sedutores põem em cena o drama da criação. Uma interpretação surpreendente é dada do relato do Gênese: o deus do AT não é a seus olhos um deus de justiça mas um deus de engodo pois prendeu o homem às pesadas cadeias do destino para lhe fazer esquecer suas origens divinas. O deus verdadeiro, ele, é estrangeiro à criação. Ele se mantem solitário em um abismo de luz.

O desprezo do mundo e da criação ditou aos gnósticos uma ética posta sob o signo do desapego. A recusa do casamento e da procriação é um dos aspectos mais controvertidos. No entanto, não poderia ser levado ao extremo, sob pena de fazer desaparecer, em algumas gerações, toda a comunidade de fé gnóstica. Um jogo sutil decorre distro entre proselitismo e consciência elitista.

As comunidades gnósticas se situaram à margem da Igreja e do Estado. Elas foram perseguidas por uma e pelo outro, até seu quase-desaparecimento. Todavia, por caminhos subterrâneos difíceis de retraçar, a essência do gnosticismo sobreviveu. A aspiração dos autores gnósticos pelo Absoluto, seu desejo de um conhecimento último conservam uma significação e um valor no mundo de hoje.