Niceforo Sobriedade Vigilancia

Nicéforo o Solitário — Seleção de Jean Gouillard
Sobre a sobriedade, a vigilância e a guarda do coração
Resumo do apresentado a seguir

  • Da vida de nosso padre Santo Antão (vide Antão)
  • Da vida de São Teodósio o Cenobiárquico
  • Da vida de santo Arsenio
  • Da vida de São Paulo de Latros
  • Da vida de São Sabbas
  • Da vida do abade Agathon
  • Do abade Marcos a Nicolau
  • De São João Clímaco (vide João Clímaco)
  • Do abade Isaías (vide Isaías o Solitário)
  • De Macário o Grande (vide Macariana)
  • De Diádoco (vide Diadoco de Photiki)
  • De Isaque o Sírio (vide Isaac o Sírio)
  • De João Carpathos (vide Karpathos)
  • De Simeão o Novo Teólogo (vide Simeão o Novo Teólogo)
  • Nicéforo ele mesmo
    Tratado da sobriedade e da guarda do coração (kardia)
    Vós que estais ansiosos por obter a grandiosa e divina “fotofania” de Nosso Salvador Jesus Cristo; vós que quereis captar sensivelmente no coração (kardia) o fogo mais que celeste; vós que vos esforçais por obter a experiência sentida do perdão de Deus; vós que deixastes todos os bens deste mundo, para descobrir e possuir o tesouro escondido no campo de vosso coração (kardia); vós que quereis, já nesta terra, abrasar-vos alegremente com as tochas da alma (psyche) e, para isso, renunciastes a todas as coisas presentes; vós que quereis conhecer e apreender com conhecimento experimental o reino de Deus presente dentro de vós — vinde, que eu vos exponho a ciência, ou melhor, o método da vida eterna, ou melhor, celeste, que introduz, sem fadiga nem suor, no porto da apatheia, aquele que o pratica. Não há que temer a sedução nem o terror que vem dos demônios (diabolos). Essa queda só ameaça aquele cujos passos a desobediência conduz para longe da vida que vos exponho, como aconteceu a Adão. Por ter desprezado o preceito divino, por se ter ligado com a serpente, por ter confiado nela e se ter deixado inebriar por ela com o fruto enganador, precipitou-se deploravelmente, e com ele sua posteridade, no abismo da morte, das trevas e da corrupção.

Retornai, pois — para sermos mais exatos, voltemos a nós mesmos — meus irmãos, rejeitando com o maior desprezo o conselho da serpente e toda ligação com o que rasteja. Porque só há um meio de chegar ao perdão e à familiaridade com Deus: antes de tudo, retornar, tanto quanto possível, a nós mesmos, ou antes — por um paradoxo — tornar a entrar em nós mesmos, defendendo-nos da relação com o mundo e das preocupações vãs, para nos entregarmos indefectivelmente ao “Reino dos céus que está dentro de nós”. Se a vida monástica recebeu o nome de “ciência das ciências e arte das artes”, porque seus efeitos nada têm de comum com as vantagens corruptíveis deste mundo, que desviam nosso espírito da melhor parte, para nos sepultar sob o seu aluvião. Ela nos promete bens maravilhosos e inefáveis “como os olhos nunca viram, os ouvidos nunca ouviram e nunca o coração (kardia) do homem percebeu” ( 1Cor 2,9 ). Assim, “não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas contra as dominações, os poderosos os príncipes das trevas deste século” ( Ef 6,12 ). Uma vez que o século presente não passa de trevas, fujamos dele; fujamos dele, mesmo em pensamento. Que não haja nada de comum entre nós e o inimigo de Deus, pois “aquele que quer ser seu amigo, constitui-se inimigo de Deus” ( Tg 4,4 ). E quem poderá ainda vir socorrer aquele que se tornou inimigo de Deus?

Imitemos, pois, os nossos Pais e, seguindo-os, procuremos o tesouro escondido no coração (kardia); tendo-o descoberto, conservemo-lo com todas as nossas forças, para guardá-lo e ao mesmo tempo valorizá-lo. Para isso é que fomos originariamente destinados. Se algum novo Nicodemos tiver a ousadia de chicanear sobre isso: “Como se pode entrar no próprio coração (kardia), para nele viver e trabalhar?”, merecerá a resposta que deu o Salvador à objeção de primeiro Nicodemos ( “Como se pode entrar de novo no ventre da mãe e nascer quando se é velho?” ): “o Espírito sopra onde quer”, de uma imagem emprestada do vento material. Se partilhamos tal dúvida em relação às obras da vida ativa, como nos sobrevirão as da contemplação (theoria), se é verdade que “a vida ativa é a via de acesso à contemplação (theoria)”? Como é impossível convencer um espírito tão incrédulo sem provas escritas, vou apresentar neste tratado, para proveito de todos, as vidas dos santos e seus escritos. Convencido, ele afastará então qualquer dúvida. Começaremos por nosso pai, santo Antão, o Grande, continuando com sua posteridade; e escolheremos, da melhor maneira possível, nas palavras e na conduta desses santos, provas convincentes.