Segundo Relato 3,19

Paul NothombO SEGUNDO RELATO

Gen 3,19 Ao suor de teu cérebro comerás do alimento até quando durar teu retorno à adama. Mas tu dela fostes tomado pois tu és e retornarás a (afar).

BZ ‘T ‘PYK (pronunciado «bezeat apeka») literalmente «ao suor de tuas narinas». Estas «narinas» como em Gen 2,7 designando o cérebro e é bem por sua inteligência, por sua engenhosidade melhor que por sua força física que o exilado do Éden deverá encontrar de que subsistir, mas isso não exigirá menos enormes esforços dele, T’KL LHM (pronunciado «tokal le-hem») não quer dizer comerás do «pão». Antes de significar «pão» a palavra LHM designa o alimento em geral.

A sequência do versículo é compreendida pela tradição como o enunciado da sentença de morte diferida pronunciada por Deus contra o Homem desobediente. Não somente viverá penosamente como um reprovado mas seu fim será ainda mais sinistro. Ele retornará definitivamente ao solo, ou a terra de onde saiu, porque «sendo retornará em » lhe teria dito Deus em uma linguagem digna da fatalidade, e de uma platitude confusa. A «Bíblia de Jerusalém» enaltece mesmo em transformando «» (do túmulo) em «barro», e traduz: «Pois tu és barro e retornarás ao barro». Anteriormente ela traduziu a frase precedente: «Até que retornes ao solo, posto que dele fostes tirado».

O texto comporta sucessivamente de três fases, que importa analisar termo a termo, visto o impacto enorme que sua tradução tradicional deixou na mentalidade ocidental, mesmo ateia, mesmo niilista.

‘D (SH) WBK (pronunciado «od shouvka»). (SH)WBK é o infinitivo substantivado do verbo (SH)WB pronunciado «shouv») «retornar» «voltar» seguido do sufixo pronominal da segunda pessoa, que significa literalmente «teu retornar». O advérbio-conjunção ‘D (pronunciado «od») é pontuado no texto massorético «ad» que frequentemente quer dizer «até o que» mas às vezes também «enquanto». Esta pontuação «ad», como toda a pontuação a princípio, não faz parte do texto, é uma adição da tradição querendo justificar assim sua interpretação das mais discutíveis. Com a pronúncia «od» em todo caso, ‘D quer dizer claramente aqui «enquanto» e absolutamente nada no contexto não se opõe. Logo traduzo ‘D (SH)WBK, literalmente «enquanto teu retornar», seja «enquanto durará teu retorno».

‘L H’DMH (pronunciado «el haadama») quer dize à «adama». A primeira frase logo pode perfeitamente ser traduzida como o proponho: «Enquanto durará teu retorno à adama».

Deus, que quis persuadir o Homem de permanecer no jardim, de não «retornar» a esta adama que não conhece, de não «regressar» a isto que teria podido ser antes de sua criação, à este estado «genérico» ao qual sua Criação o subtraiu, denegriu o quadro de todos os males que aí o esperam (pois o homem superficial encontrará agrados na adama, na condição humana) mas Deus que imagina o sofrimento existencial no fundo desta satisfação ingênua que experimentará sua Criatura, não pode aí ver senão males) mas lhe precisa que disso escapará se não retorna à adama, posto que eles não o ferirão «enquanto durará seu retorno à Adama».

E para bem ligar estes males ainda eventuais à adama, Deus adiciona que cessarão desde que venha a cessar o retorno do Homem à adama, retorno que não terá senão um tempo embora aconteça pelo fato da natureza do Homem, que foi Criado «» «fora da dama», e que logo cedo ou tarde tornar-se-á, sob o efeito do vento divino, « voador» e será de novo arrancado à adama.

Com efeito a segunda frase KY MMNH LQHT (pronunciada «ki mimmena louqahta») quer dizer, do fato da ambivalência da conjunção KY, seja «pois dela fostes tomado» como o traduz a tradição, seja «mas dela fostes tomado» como o traduzo de maneira adversativa e não justificativa. Para mim a frase se opõe à precedente ou a completa em limitando a duração deste retorno temente à adama, que teria necessariamente um fim posto que o Homem foi Criado fora dela.

O que confirma a terceira frase KY ‘PR ‘TH W’L ‘PR T(SH)WB (pronunciada «ki afar ata weel afar tashouv») em dando um sentido diametralmente oposto àquele da tradição à palavra «» traduzo como ela. «Pois é e retornarás a ». Mas não ao do túmulo (ao «barro» da «Bíblia de Jerusalém»), ao estado de leveza que simboliza o voador, à imagem do vento divino.

Logo o que passa para uma sentença desesperante na tradição surgiu tal qual vai aparecer ao Homem no versículo seguinte, em minha tradução. Nem mais nem menos como uma certeza de imortalidade dada ao Homem do Éden apesar de sua «Queda».