Evangelho de Tomé – Logion 36-37


Pla

(36) Jesus disse: não se preocupem desde a manhã até a noite e desde a noite até a manhã pelo que tereis de vestir.

(37) Seus discípulos disseram: em que dia te revelarás a nós? em que dia te veremos? Jesus disse: quando deixeis vossas vergonhas, quando tomeis vossas vestes, as puséreis a vossos pés como os pequeninos e os pisoteáreis; então verei ao filho daquele que está vivo e não temereis. [[Buscai primeiro o reino de Deus->art7957]]

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Puech

36. Jésus a dit : Ne vous souciez pas du matin au soir et du soir au matin de quoi vous vous vêtirez.

37. Ses disciples dirent : En quel jour te révéleras-tu à nous et en quel jour te verrons-nous ? Jésus dit : Lorsque vous déposerez votre honte [Ou : « vous vous dépouillerez de votre honte ». Peut-être : « vous vous dévêtirez sans avoir de honte ». En faveur de ce dernier sens, cf. Pap. Oxy. 655, lignes 23-23.], que vous prendrez vos vêtements, les mettrez sous vos pieds comme les petits enfants et que vous les piétinerez, alors [vous verrez] le fils de Celui qui est vivant et vous ne craindrez pas.

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Suarez

1 Jésus a dit : 2 ne vous souciez pas du matin au soir 3 et du soir au matin 4 de ce que vous revêtirez.

1 Ses disciples dirent : 2 quel jour nous apparaîtras-tu 3 et quel jour te verrons-nous ? 4 Jésus dit : 5 lorsque vous vous départez de votre pruderie 6 et prenez vos vêtements, 7 les déposez à vos pieds 8 comme les tout petits enfants, 9 les piétinez, 10 alors vous verrez le Fils de celui qui est Vivant 12 et vous n’aurez pas peur.

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Meyer

36 Jesus said, “Do not worry, from morning to evening and from evening to morning, about what you will wear.” [[Cf. Matthew 6:25–33 (Q), 34; Luke 12:22–31 (Q), 32. P. Oxy. 655.1–17 presents the following expanded saying: “[Jesus says, ‘Do not worry], from morning [to nightfall nor] from [evening to] morning, either [about] your [food], what [you will] eat, [or] about [your robe], what clothing you [will] wear. [You are much] better than the lilies, which do not card or [spin]. And since you have one article of clothing, what (or why)…you…? Who might add to your stature? That is the one who will give you your clothing.’” See the notes for Greek Gospel of Thomas 36.]]

37 (1) His disciples said, “When will you appear to us and when shall we see you?” (2) Jesus said, “When you strip without being ashamed and you take your clothes and put them under your feet like little children and trample them, (3) then [you] will see [40] the child of the living one and you will not be afraid.” [Cf. Gospel of the Egyptians; Gospel of Philip 75; Hippolytus Refutation of All Heresies 5.8.44; Manichaean Psalm Book 99, 26–30.]


Roberto Pla

Pela vestimenta, ou por seu contrário, a nudez, se vem expressar de maneira metafórica na linguagem testamentária realidades de ordem psíquica alheias ao que elas significam em seu sentido literal. Este fenômeno expressivo é bastante notório e muitas das locuções de “vestição” foram assumidas com facilidade em sua acepção metafórica pela exegese tradicional, entendendo-se que o sentido de “veste” pode aparecer aplicado ao que se superpõe, ou se agrega à coisa da qual se fala, em qualquer das esferas espiritual, psíquica ou física (material).

Tal é o caso deste logion 36. Na versão sinóptica de Mateus e Lucas resulta indubitável o sentido reto da veste para cobrir o corpo, e incluso a perícope o confirma: “(Não é) o corpo mais que a vestimenta?”, mas a leitura do texto completo permite esclarecer em seguida que tanto a vestimenta como o alimento são tomados ali como figuras para transmitir algo de maior alcance. O importante é a busca do reino e os demais são “agregados”, afãs próprios do viver mundano do gentio, quer dizer, do homem não dotado para assumir uma vida de disposição essencialmente religiosa.

A acepção metafórica neste logion ainda é mais acentuada que nos sinóticos. Este sentido de coisa agregada da que há de se desprender, desapegar, para ascender ao reino, é o que toma habitualmente a “vestimenta” no evangelho, embora às vezes possa aparecer como uma manifestação do poder verdadeiro. Assim ocorre quando Jesus no episódio da transfiguração que “suas vestimentas se tornaram resplandecentes” (Mc 9,36), ou quando Cristo ressuscitado pede a seus discípulos: permaneçais na cidade “até que sejais revestidos de poder” (Lc 24-49).

Falar de “revestimento” é uma forma muito paulina, embora exclusiva, de expressão e há muitos exemplos nas epístolas do apóstolo, mas é de observar que em todos os casos a significação profunda do “revestimento” é o despir-se até a nudez de todo vestido superposto, de toda agregação errônea à realidade “em si”, ao ser puro. Assim fala o apóstolo de: “revestimento de incorruptibilidade” (1Co 15, 53), das armas da luz (Rm 13,12), ou do Homem Novo depois do ato transfigurador de se despir da veste do homem velho “até alcançar um conhecimento perfeito”.

Estas, assim como as do Homem Novo, «revestido de Cristo», são as únicas vestes, desta nudez espiritual, que pode conservar o homem destinado a ocupar seu trono no reino.

Por essa razão, ao conselho formulado por Jesus de não se preocupar pelo que haverão de vestir, posto que o vestir é somente acessório, respondem os discípulos como uma pergunta que interroga sobre o essencial, por ser isto, o essencial, o único que preocupa seriamente aos discípulos que “adoram ao Pai em espírito e verdade”. Em que dia se revelará em nós o Cristo interior? Em que dia se descobrirá em nós o Cristo oculto?

A resposta seguinte (logion 37), serve para explicar em poucas palavras os termos da obra que o discípulo deve realizar:

a) Deixar a descoberto suas vergonhas, ou descobrir as vergonhas é uma paráfrase de certo uso na linguagem testamentária que se refere diretamente ao sexo; mas tem uma significação de desnudez, enquanto esta, a “desnudez”, vem em consequência do abandono ou eliminação de envolturas (manto, vestimenta, véu), graças ao qual se chega ao descobrimento ou manifestação de algo até então oculto. No texto do logion deve-se entender esta expressão como o equivalente de uma “revelação”, ou “aparição” identificável como uma teofania, ou manifestação de Deus.
-* Acerca do vocábulo hebreu “glh”, que se pode traduzir por seu sentido geral de “des-cobrir”, é dito que a pele designa sempre o descobrimento de algo que normalmente está oculto, “pôr a descoberto”. Tem uma significação paralela a da forma “gal”, “abrir os olhos”; “haver reconhecido”, “revelar”, “des-cobrir”, “trazer à luz”; mas o emprego principal se refere ao descobrimento das vergonhas, como paráfrase. Neste grupo de passagens, vergonhas equivale a desnudez, e também é “manifestar o coração”, “revelar” e incluso, “aparecer”, “mostrar-se”, este último no sentido de teofania (vide Noé).

b) “Pôr as vestimentas a seus pés”, pisando-as, tal como fazem os “pequeninos” (elakistos), entra no estilo figurado que utilizam os autores evangélicos, canônicos ou não, para explicar que a consciência do homem “recém-nascido do alto”, deve desprender-se, desapegar-se de toda e qualquer conexão residual, de qualquer superposição psicossomática, pois tais sobreposições se dão, em todo homem deste mundo, como um cúmulo de agregações descartáveis quanto ao homem pneumático puro. A consciência do homem deve ficar circunscrita finalmente ao âmbito estrito do ser verdadeiro, do ser “em si”. Nisso consiste a verdade do homem: em ser livre, o qual significa ficar liberado de qualquer identificação com algo diferente da essência pura. O que resta então, depois de concluir tal obra de decantação verdadeira — uma decantação obtida não sem trabalho, humildade, abnegação, sofrimento, gozo e amor — é o Filho do homem, o Espírito que dá Vida, o Filho de Deus vivo. Com a contemplação poderosa do Filho, todo temor, toda busca, concluiu.

c) “Virar o rosto” diante das “vergonhas” reveladas, uma vez postas à descoberto ao alcançar a desnudez pura, é a expressão de um velho símbolo testamentário no que se inscreve a humildade, a vacuidade e o esquecimento da obra realizada como virtudes supremas que devem reger a vida do homem em seguida ao logro da vitória gloriosa da realização espiritual. É esta última atitude “sóbria” (nepsis), muito evangélica, que consiste em “conservar as vestimentas”, embora elas tenham sido reconhecidas e repudiadas como sobreposição. O autor do Apocalipse de João celebra esta atitude conservadora, sigilosa e prudente, como sinal de bem-aventurança.
-* Eis que venho como ladrão. Bem-aventurado aquele que vigia, e guarda as suas vestes, para que não ande nu, e não se veja a sua nudez. (Apocalipse de João 16:15)

Evangelho de Tomé