JOÃO BATISTA — TESTEMUNHO (Jo I, 19-34)
Roberto Pla: Evangelho de Tomé - Logion 46 Na passagem do evangelho joanico que se designa como “testemunho de João” (Jo 1, 19-34), resume o evangelista o momento decisivo em que João Batista, enquanto protótipo da “alma vivente”, chega à convicção de seu próprio Ser, do Ser absoluto, do Eu Sou. João pratica o batismo de água — imersão nos conteúdos psíquicos — e descobre que o Cristo eterno “está atrás dele”, no fundo de si mesmo, no fundo desconhecido de sua própria consciência; esse é o tesouro que não conhece, como não o conhecem em si mesmos nenhum dos que o perguntam, embora em verdade “está no meio deles”.
Os que interrogam, perguntaram a João se ele é o Cristo, se é Elias ou é “o profeta”.
Nos três casos, sucessivamente diz o texto evangélico, muito sutil, que “ele confessou e não o negou”. Deve entender-se por isso que o Batista confessou “não ser”, mas não negou “ser”; posto que a verdadeira natureza de seu ser ainda não a conhecia, não podia confessá-la, mas sim podia negar tudo o que não era. No entanto, quando instado a dizer o que pensa de si mesmo, não deixa de tomar com firmeza o nostálgico texto de Isaías: “Eu sou, voz que clama no deserto”.
Mas no dia seguinte, (recorde-se que “dia” é “luz” segundo o Gênesis) vê a Jesus “vir até ele” e diz: “Eis aqui o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”.
O que o Batista “vê vir”, é o Cristo interior, “arrancado da terra dos vivos” (eternos) e que estava sepultado entre os malvados e os ricos (Jo 1,29).
Isso significa para a alma que busca, a bem-aventurada convicção do Ser, entrevista pela primeira vez na brevidade do voo, mensagem e presença, de uma pomba que desce do céu interior, recôndito, aberto pela primeira vez além das águas da alma.
E aí conclui o primeiro testemunho de João Batista, o qual é conseguinte ao batismo pela água e precursor direto do batismo do Espírito. João anuncia, com efeito, estar já preparado para que dê começo nele a chuva de fogo do conhecimento; uma voz interior, secreta, desconhecida, a mesma que o “enviou” a batizar com água, o revelou esse mistério. Esta é a explicação segundo a vertente oculta, interior, do Cristo eterno, cujo sopro “envia” o Espírito, o fogo, à consciência.
O que batiza com o Espírito Santo, com línguas de fogo que quais corcéis divinos descem sobre o homem psíquico, uma vez bem “lavado” este pelo batismo de água é, por suposto, Cristo, o Filho do homem, ou melhor ainda, o batismo de fogo vem pelo Espírito, que é o sopro de Deus, “enviado” por Cristo no homem purificado; mas desde o começo da chuva pentecostal até a “assunção” da consciência do homem “alma vivente” no homem “espírito que dá vida”, medeia um período indefinido de transição, uma quarentena purificadora no deserto psíquico, durante a qual deve produzir-se a assimilação do conhecimento verdadeiro.
Durante esse período, muito dilatado às vezes, a consciência do homem psíquico deve permanecer muda, no silêncio de si mesma, para perceber em sua plenitude a linguagem e o sentido do som verdadeiro que penetra graças à ação do fogo superior. De momento, não é o Cristo inteiro que se alça até a consciência, senão esse sopro transeunte que não reclina a cabeça em nenhuma parte, pois como está dito: “não sabe de onde vem, nem a onde vai”. Mas se ouve sua voz que sempre traz a mensagem sagrada do Reino.
Os que recebem esse sopro já são do Reino, estão no Reino, pois são os pequeninos do Espírito em qualquer das três medidas de frutificação segundo a parábola do semeador; mas quanto a sua consciência ainda estão no caminho até o Reino, ainda se acham instalados na psique como “uma voz que acalma”, proveniente de um nascido de mulher. Ainda não se constituíram, por consumação da assunção no Filho, em um verdadeiro conhecedor do Reino, em um nascido do alto. E no entanto, Jesus diz de cada um destes pequeninos que é mais elevado que João enquanto homem psíquico.