Esposo-Esposa [Scopello]

CASAMENTO CELESTE — ESPOSO-ESPOSA

VIDE: Esposo e Esposa

Madeleine Scopello

Tradução de Antonio Carneiro

Para descrever a união entre a alma e o espírito, o gnóstico e seu duplo, nada melhor que o símbolo do casamento? Símbolo muito rico em imagens, presta-se bem à une encenação grandiosa e permite numerosos jogos alegóricos.

Dois atores: o noivo e a noiva, suntuosamente enfeitada; um lugar: o quarto nupcial, que banha em uma atmosfera embriagante feita de luzes e de perfumes. O conjunto dominado pelo amor. Amor sublimado e purificado, pois esse casamento não é terrestre, mas, celeste.

Esse tema é tratado pelos autores gnósticos em registros diferentes: deu lugar a elaborações filosóficas nos grandes textos especulativos valentinianos, mas também a relatos romanescos impregnados de um erotismo sutil.

Símbolo de recapitulação do pleroma, o casamento apresenta aí as características.

O casamento é símbolo de conhecimento: a alma reconheceu seu esposo do qual tinha esquecido os traços, quando de sua queda da casa paterna, e se lembra de suas origens (vide: A Exegese da Alma, Tratado da Interpretação sobre a alma (IntAm), Nag Hammadi (NH) Codex II, tractatus 6, 132, 21-25).

O casamento é símbolo de verdade: se opõe ao ardil e a mentira do mundo inferior, significado pelas uniões enganosas com os arcontes. O amante o qual a alma se uniu é o verdadeiro esposo (ibid. NH Codex II, tractatus 6, 133, 8).

O casamento é símbolo de liberdade: está destinado não aos escravos, mas aos homens livres (Evangelho de Felipe, NH Codex II, tractatus 3, 69, 1-4): livres do império dos arcontes e da armadilha das paixões. É, aliás, da verdade que decola a liberdade: « Se reconheceis a verdade, a verdade vos tornará livres. A ignorância é escrava, a gnose é liberdade » (ibid., NH Codex II, tractatus 3, 84, 8-11).

O casamento é símbolo de repouso: a alma não corre mais de um amante para outro; segundo as palavras do Discurso verdadeiro, « ela reencontrou seu Oriente, ela se repousou naquele que se repousa, deixando-se cair em seu quarto nupcial » (NH Codex VI, tractatus 2, 35, 8-11).

O casamento é símbolo de alegria, pois marca o fim das peregrinações dolorosas da alma: « Estavam unidos em um intelecto (…) em uma união alegre, pois é um casamento de verdade e um repouso incorruptível em cada intelecto e uma iluminação que se realizou em um mistério inefável » (Segundo Tratado do Grande Set, NH Codex VII, tractatus 2, 66, 34-67, 11).

O casamento é símbolo de beleza, uma beleza interior que enfeita a alma de seus melhores adornos:

Tornada consciente de sua luz, ela se desfaz da roupa desse mundo e se enfeita com seu verdadeiro vestido; sua roupa de casada a veste pela beleza do espírito e não pelo orgulho da carne (vide: Authentikos Logos; Discurso Verdadeiro, NH Codex VI, tractatus 2, 32,2-8).

O casamento é símbolo de castidade, pois é espiritual, e se opõe às uniões maculadas do mundo inferior.

Quais são as características desse casamento?

O Evangelho de Felipe se exprime assim sobre esse assunto:

Se o casamento da mácula é escondido, por outro lado, esse casamento puro de toda mancha é um autêntico mistério. Não é carnal, mas é puro. Não pertence ao desejo, mas à vontade. Não pertence às trevas e à noite, mas ao dia e à luz (NH Codex II, tractatus 3, 82, 4-10).

Esse casamento é eterno, pois não conheceu a agitação do desejo:

Esse casamento não é como o casamento carnal. Aqueles que se uniram um ao outro se embriagaram desta união e desembaraçaram-se, como de um fardo, do tormento do desejo, não se separando mais um do outro (…) uniram-se um ao outro, tornaram-se uma só vida (IntAme, NH Codex II, tractatus 6, 132, 27-35).

Esse casamento é igualmente fértil. À semente maculada dos arcontes, da qual nasciam abortos, se opõe aqui a semente de esposo: ela dará à alma filhos que viverão; ela é de fato o «espírito vivificante» (IntAme, NH Codex II, tractatus 6, 134, 1-4). Sob a coberta da alegoria, essas crianças representam as ideias.

Esse casamento é um casamento de amor, oposto aos acasalamentos interessados da prostituição. O esposo e a esposa se amam em um prazer compartilhado (ibid. NH II, tractatus 6, 133, 31-34).

Esse casamento enfim é a réplica da união primordial, rompida quando a alma deixou o pleroma:

No início se uniam diante do Pai, antes da alma perder seu esposo-irmão. De novo esse casamento os religa um ao outro e a alma se uniu à seu verdadeiro amante, seu senhor natural (ibid., NH Codex II, tractatus 6, 133, 4-9).