João Clímaco — A Escada Santa
Assim começa a apresentação da tradução de João Mendes de Almeida Júnior, publicada em 1902, que estaremos apresentando a seguir, juntamente com eventuais traduções parciais em português, para simples cotejamento.
São João Clímaco compôs duas obras notabilíssimas: uma é a Escada do Céu, também denominada Escada Santa, Escada Espiritual, Escada do Paraíso; outra é a Carta ao Pastor. A Escada do Céu, alegoria da escada que o patriarca Jacó viu em sonho, formada de trinta degraus, correspondentes aos trinta anos da vida privada de JESUS CRISTO, é dividida por isso em trinta capítulos. O santo autor aplica esta escada misteriosa da Escritura à escada das virtudes. É este o livro que tomei a peito traduzir para o português, não obstante a minha pouca competência.
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Não consegui encontrar as traduções francesas e a italiana; mas, felizmente, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, havia e há um exemplar do Clímax ou Escada do Céu, tradução espanhola, impresso em 1562: é a mesma tradução de Fr. Luiz de Granada, reimpressa em Alada de Henares, em 1571, conforme verifiquei de um exemplar que, por intermédio da Casa Laemert, pude adquirir. Nas páginas do frontispício desse livro acha-se o seguinte: — «Livro de São João Clímaco, chamado Escada Espiritual, no qual são descritos os trinta degraus, por onde podem subir os homens ao cume da perfeição. Agora novamente posto em romance pelo padre Fr. Luiz de Granada, e com anotações suas aos primeiros cinco capítulos, para inteligência deles. Impresso com licença em Alcalá de Henares, em casa de Sebastião Martinez.—Ano de 1571. Está taxado em dois locais. Foi examinado este livro pelo R. P. F. Francisco Foreyro, Examinador de livros pelo Reverendíssimo e Sereníssimo Cardeal Infante D. Henrique, Inquisidor Geral nestes Reinos de Portugal, etc.—Por mandado dos senhores do conselho, passe um livro que se intitula —São João Clímaco, traduzido do latim em romance, pelo padre Fr. Luiz de Granada, no qual não acho doutrina que não seja católica romana; e assim me parece que se deve imprimir, porque contém grandes conselhos para os que querem renunciar o mundo, e muitos avisos para os que o hão renunciado. Feita em S. Francisco de Madrid, «a 18 de Novembro de 1564. Fr. Francisco Pacheco».
Por aqui se vê que Fr. Luiz de Granada fez a tradução, tendo em vista outra tradução espanhola. Ele próprio diz que romanceou, isto é, deu forma amena e vulgar; mas, teve também de fazer, em grande parte, tradução nova. E assim o refere na sua dedicatória —
«À muito alta e muito poderosa Rainha de Portugal Dona Catarina, nossa senhora, nos seguintes termos:
«Entre os livros que, tratando do instituto e costumes da vida religiosa, nos ficaram daquela gloriosa antiguidade e têm prevalecido contra a injúria dos tempos, dois, Sereníssima Senhora, sobre todos, se tornam notáveis: as Conferências, de João Cassiano, e a Escada Espiritual (ou Escada do Céu), de São João Clímaco.
«O primeiro, até agora, não tem tido intérprete castelhano, o que, aliás, seria de muita utilidade, visto estar em latim escuro para os menos versados em latinidade, além da necessidade de proporcionar o gozo de tão excelente doutrina a muitos Religiosos e Religiosas, que de todo não sabem o latim; mas, o segundo, que é mais breve, posto que não menos difícil de ser entendido, teve muitas traduções em diversas línguas.
«Este livro foi originalmente escrito em grego e, por duas vezes, foi traduzido para o latim. Destas traduções, uma é antiga, muito escura e bárbara; outra, feita por Ambrósio Camaldulense (o mesmo que traduziu as obras de São Dionísio), é nova e elegante. Também foi traduzido nas línguas toscana e castelhana, sendo que, nesta, duas vezes: destas traduções, uma é também antiga e tão antiga, que dificilmente se entende; outra, que é muito nova, feita por um arigonez ou valenciano, não é menos obscura e difícil, tanto pela dificuldade do livro, como por muitos vocábulos peregrinos e estrangeiros de que está recheada. Parecendo-me que bastaria, para inteligencia do livro, mudar estes vocábulos e tornar claras algumas frases e alguns períodos, assim comecei a fazer; mas, vendo-me forçado a recorrer algumas vezes à fonte do original, achei que, em muitas partes, era tão diferente da letra do autor o sentido do intérprete, que fui forçado a tomar de novo todo o trabalho da tradução.
«Este trabalho me foi tão grande, que, se desde o princípio eu o previsse, por ventura não me atreveria a ele, conquanto o dê por bem empregado, para que saia à luz, como convém, uma obra de tão excelente autor e de tão alta e maravilhosa doutrina. E se a alguém parecer que estes livros não devem ser postos em vulgar, por não conservarem na tradução a graça do original, a isto se responde que é necessário haver livros santos e devotos em língua tal, que possam ser entendidos; afim de serem lidos nos mosteiros, à lição ordinária, à comida e ceia em seus refeitórios, assim como nos coros e nos capítulos das Ordens dos Augustinianos, Franciscanos, Bernardos e outras, e mesmo nas horas de trabalho manual nos mosteiros de Religiosas. Ora, não há livros que melhor correspondam a este santo propósito, do que os escritos pelos Santos Padres antigos, tão assinalados, não só na santidade, como na experiência e doutrina, nas coisas da Religião. Além disso, posso ainda mais facilmente escusar-me, alegando que não fiz coisa nova em traduzir este livro, porque já estava ele traduzido, limitando-me eu a tornar fácil, fiel e claro, aquilo que se achava em estilo escuro, perplexo e escabroso.
«Eu quis oferecer a Vossa Alteza este trabalho, porque, além de ser a nossa Ordem sustentada pela vossa Real prudência e magnificência, também entendi que não vinham estes escritos fora do vosso religiosíssimo e santo propósito; pois, segundo se lê do Beato S. Martinho, de tal maneira preenchia a dignidade de bispo, que nem por isso desamparava o propósito de monge, assim Vossa Alteza, pela piedade e clemência, de tal maneira cumpre as obrigações do estado de Rainha, que não deixa de ter espírito e costumes de Religiosa; como também se lê daquela Beata virgem Cecília, que, andando por fora vestida de sedas e rendas, trazia junto às carnes um cilício. Receba, pois, Vossa Alteza, com sua costumada serenidade, este pequeno presente, para que, quando alguma vez for aos mosteiros da Madre de DEUS, ou da Esperança, a respirar com DEUS dos trabalhos contínuos do governo, tenha com que recriar algum tanto o espírito na leitura deste divino livro. NOSSO SENHOR amplifique e engrandeça a mui alta e poderosa pessoa e estado de Vossa Alteza com perpétuos favores do Céu. Fr. Luiz de Granada».
Não estranhem os leitores que seja dado, nessa dedicatória, o título de — Vossa Alteza — à rainha D. Catarina, viúva de D. João III, e regente de Portugal. Outrora, somente o imperador tinha o tratamento de Vossa Majestade; os outros reis tinham o tratamento de — Vossa Alteza, Vossa Serenidade, Vossa Graça. Depois de 1741 é que o título — Majestade — foi generalizado a todos os reis e rainhas.
Luiz de Granada: DEDICATÓRIA DO FREI LUIZ DE GRANADA
CAPÍTULOS: I; II; III; IV