Bonnet Estrela

Jacques Bonnet — Ensaios
Excertos traduzidos de ensaio publicado na revista Editions Traditionnelles

Estrela símbolo
São João em sua primeira epístola diz que “Deus é amor”, depois de ter dito que é Luz e “na Luz”.

No Apocalipse, Jesus é dito “estrela brilhante da manhã”. Mas Jesus diz também: “Aquele que vencerá, lhe darei a estrela da manhã”. Portanto esta estrela simboliza ao mesmo tempo Jesus e o Espírito Santo. Ele não diz: “Eu te darei o sol ou a lua”, mas esta estrela, o planeta Vênus que aparece primeiro (representado com 8 braços, símbolo das 8 beatitudes ou do oitavo dia da Ressurreição). Isso corresponde exatamente à palavra da segunda epístola de São Pedro: “Até que a estrela da manhã (phosphoros) se levante em vossos corações”. Aquele que habita o coração e certamente o Espírito Santo.

Isso associa-se à reflexão de Tomas de Aquino a respeito da estrela dos Magos: “Alguns veem na estrela o Espírito Santo”, e aquela de Eusébio: “A estrela falou aos magos como a Escritura nos fala”.

Há múltiplas estrelas, como há múltiplos espíritos. Na concepção dos Antigos que se conservou na escolástica, as estrelas ou corpos celestes são para os corpos daqui de baixo o que o espírito é para a alma e o que os anjos são para os homens que se iluminam. Por uma assimilação em diagonal, a estrela do homem é sua personalidade, o anjo que o guia, como se falava do astro de César, ou como Enéas guiado pelos oráculos o era também pela estrela na qual via Vênus sua mãe: “Matre dea monstrante viam, data tata secutus”. Um povo pode ter uma estrela. Vênus é o astro do Islã. “Divindade predominante na Arábia pré-islâmica, é também sob seu signo que nasceu a lei do Islã.” Sob o nome de Zahara, a “resplandecente”, ela “guia em direção ao conhecimento das coisas ocultas”. Em hebreu, zehorath, a “brilhante” é também Vênus. É, de acordo com Eleazar de Worms, um dos nomes do arcanjo Metatron, paredro da Shekinah, quer dizer do Espírito Santo.

O nome mesmo de Vênus dado à estrela mais resplandecente (como aquele de Ísis correspondia à estrela Sirius no egípcios) permite associar a influência da estrela ao que será dito da Dama.

No Islã, o nome de Zahara dado a esta estrela é também aquele de Fátima, filha do Profeta e símbolo da Sabedoria. Na Arábia pré-islâmica, o planeta Vênus aparece sob três aspectos simbolizados pelas três deusas tendo o mesmo esposo e às quais o Corão faz alusão na surata “A Estrela” começando pelo verso: “Juro pela estrela quando ela se põe”. Elas se encarnam nas três acácias sagradas, próximo da Meca “à sombra das quais viajantes e peregrinos buscavam o frescor” e na pedra negra da Caaba que é denominada bunayya, “jovem moça”, e foi aportada a Abraão pelo anjo Gabriel representado sob os traços de uma mulher.

Estas deusas não eram outras que Astarte, a Ishtar dos caldeus cuja estrela precedeu àquela dos judeus, dos cristãos e do Islã. Ishtar era ao mesmo tempo deus do amor e da guerra, assim como Vênus era a esposa de Marte. Os orientalistas modernos referenciam o primeiro aspecto à estrela da noite e o segundo à estrela da manhã. De toda maneira a estrela de Ishtar era o planete Vênus.

No cristianismo, a virgem Maria, sede da Sabedoria, é chamada “stella maris”, “stella matutina”, como também “arca da aliança” e “morada de ouro”, todos nomes da Shekinah. Ela também é denominada “torre de Davi”, sob seu aspecto guerreiro: “Qual é aquela que aparece como a aurora, bela como a lua, pura como o sol, mas terrível como os exércitos”.

Resumindo a Idade Média, Dante que fez de uma Dama, Beatriz, seu guia em direção aos céus, marcou pelo nome de “estrela” os três aspectos de sua ascensão espiritual: E quindi uscimmo a riveder le stelle, no fim do Inferno; Puro e disposto a salire a le stelle, no termo do Purgatório; L’amor che move il sole e l’altre stelle, no último verso de seu Paraíso.

Da estrela polar à “estrela da manhã”

Quando o sol se põe e que a estrela da noite aparece no horizonte, a Igreja faz cantar o salmo 4 que termina pelo “I pace in idipsum dormiam et resquiescam, “em paz eu me adormeço e encontro o repouso”. O verso 7 deste salmo diz: “Quem nos fará ver a felicidade? Faz levantar sobre nós a luz de tua face, deus, tu postes em meu coração mais alegria que no dia onde o fermento deles, onde o vinho deles transborda”. A imagem é aquela da estrela que se levanta, como Deus se levanta nos céus e que faz irradiar a face de Deus aportando a paz e a salvação. Esta imagem corresponde exatamente à palavra de São Pedro citada acima: “Até que o dia apareça e que a estrela da manhã se levante em vossos corações”. Todas as palavras deste verso evocam o Espírito Santo: “bondade” (ou felicidade), (toubh), “luz” (aor), “face” (pane), “dar” (natan), “alegria” (simha), “coração” (lebh), “paz” (shalom).

À sobra de tuas asas, ó IHWH

Pode-se associar ao nome correspondente de Deus que é Orfaniel (Luz da face de Deus). Jacó nomeou Phanuel (face de Deus), o lugar onde ele lutou com o anjo que não quis dizer seu nome: “pois, diz ele, vi Deus face a face e minha vida foi salva; e o sol se levantou quando passou Phanuel”. Na angelologia hebraica, o anjo que porta este nome divino de Orfaniel tem por serventes anjos que portam o nome do Espírito Santo: Nathanael, “Deus dado”, Zabdiel, “dom de Deus”, Ethnani, “meu dom”.

É, assim parece, a aliança da estrela da manhã, ou da noite, com o dia que justifica sua aproximação com o Espírito Santo. Pois as estrelas foram feitas, diz a Bíblia, para clarear a noite. Elas são uma multitude, como os anjos que clareiam os espíritos do homens. Entre elas, a estrela da noite simboliza o conhecimento natural do anjo e aquela da manhã aquela que tem no Verbo divino. A Escritura as chama “exércitos” (tsaba). pois elas combatem as paixões e elas se combatem também entre elas (como Jacó combatei com o anjo), Deus permanecendo seu chefe. Eis porque no Sanctus da missa ele é chamado “deus Sabaoth”. Elas se repartem à direita e à esquerda do trono de Deus. Elas cantam a glória de Deus como os monges o fazem durante a noite. Mas este canto se faz mais claro e triunfante quando chega a aurora: “Quando os astros da manhã cantavam em coro e que os filhos de Deus lançavam gritos de alegria”.

Aquilo que os semitas nômades viviam carnalmente por assim dizer, durante as noites estreladas favoráveis à contemplação, os judeus piedosos tornados sedentários, os monges cristãos o ressentiram a sua maneira durante suas noites de orações onde lutavam contra seus apegos terrestres e aspiravam à vinda do dia, “mais que os vigilantes esperam a aurora”, diz o salmo.

Este dia apareceu com a estrela da manhã ofuscada na claridade solar como naquela da divindade, condensando nela mesma a luz das outras estrelas como o Espírito Santo se assemelha às luzes angélicas e proféticas às quais São Pedro faz alusão dizendo: “A Escritura profética à qual fazes bem prestar atenção, como a uma lâmpada que brilha em um lugar obscuro, até que o dia venha a surgir e que a estrela da manhã se levante em vossos corações”.

O termo empregado por São Pedro é phosphoros que traduz exatamente o latim lucifer, quer dizer “portador de luz”, este qualificativo sendo retomado na liturgia de Páscoa: “Que esta vela pascal aceitada em odor de suavidade se misture às luzes do alto (as estrelas). Que sua chama seja encontrada pela estrela da manhã (lucifer matutinus), este lucifer que não conhece declínio. Esta última palavra por alusão à estrela do príncipe dos anjos caídos, seguindo a palavra de Isaías: “Como caístes do céu, astro brilhante, filho da aurora; tu que dizes em teu coração: subirei aos céus , acima das estrelas de Deus elevarei meu trono; me assentarei sobre a montanha da Assembleia, nas profundezas do Septentrion, subirei sobre os picos das nuvens, serei semelhante ao Altíssimo”.

Neste texto, a alusão ao Septentrion evoca a estrela polar (obscura) que regra o movimento dos céus enquanto o “filho da aurora” é a estrela da manhã (luminosa) que acompanha o sol, a manifestação da divindade.

A estrela polar: um símbolo da imutabilidade do Princípio supremo

No Rei do Mundo (Gallimard) René Guénon escreve isto: “(…) O termo de Chakravarti, que nada tem de especialmente búdica, se aplica muito bem, seguindo os dados da tradição hindu, à função de Manu ou de seus representantes: é, literalmente “aquele que faz girar a roda”, quer dizer aquele que, posto no centro de todas as coisas, dirige o movimento sem aí participar ele mesmo, ou que disto é, seguindo a expressão de Aristóteles, o “motor imóvel”. Chamamos particularmente a atenção sobre isto: o centro de que se trata é o ponto fixo que todas as tradições estão de acordo em designar simbolicamente como o “Polo”, posto que é ao redor dele que se efetua a rotação do mundo, representado geralmente pela roda, nos celtas tanto quanto nos caldeus e nos hindus. Tal é a verdadeira significação da suástica, este signo que se encontra espalhado por toda parte, do extremo oriente ao extremo ocidente, e que é essencialmente “o signo do Polo” (…) Os sábios contemporâneos (…) têm em vão buscado explicar este símbolo pelas teorias as mais fantasistas; a maior parte dentre eles (…) quiseram ver (…) (nele) um signo exclusivamente “solar”, enquanto se tornou as vezes, o que só poderia ser acidentalmente e de uma maneira distorcida. Outros estiveram mais perto da verdade vendo a suástica como o símbolo do movimento; mas esta interpretação, sem ser falsa, é bastante insuficiente, pois não se trata de um movimento qualquer, mas de um movimento de rotação que se realiza ao redor de um centro ou de um eixo imutável; e é o ponto fixo que é, repetimo-lo, o elemento essencial ao qual se referencia diretamente os símbolo em questão.

Pelo que acabamos de dizer, pode-se já compreender que o “Rei do Mundo” deve ter uma função essencial ordenadora e reguladora (e se notará que não é sem razão que esta última palavra tem a mesma raiz que rex e regere), função podendo se resumir em uma palavra como aquele de “equilíbrio” ou de “harmonia”, o que torna precisamente em sânscrito o termo de Dharma. O que entendemos por aí, é o reflexo no mundo manifestado da imutabilidade do Princípio supremo. Pode-se compreender também pelas mesmas considerações, porque o “Rei do Mundo” tem por atributos fundamentais a “Justiça” e a “Paz”, que só são formas revestidas mais especialmente por este equilíbrio e esta harmonia no “mundo do homem” (manava-loka). ”