O padre Bruno Barnhart desenvolveu um estudo cativante, The Good Wine: Reading John from the Center, sobre uma possível estrutura do Evangelho de João tomando como base o trabalho anteriormente feito por Peter Ellis (The Genius of John), sobre a dissertação de doutorado de John Gerhard. Partindo da descoberta de uma estrutura geométrica pervasiva no Evangelho de João, Barnhart abre novas possibilidades de interpretação do significado do texto através de sua forma literária.
Por muitos anos se propôs que o Prólogo de João é construído em um padrão centrado conhecido como quiasma, uma cruz. Uma forma quiástica pode ser compreendida considerando primeiro uma forma mais simples chamada inclusão: a circunscrição de um texto pela colocação do mesmo elemento em seu início e em seu final — A B A. O quiasma porta esta simetria através do texto inteiro pelo arranjo de seus elementos de modo que a sequência da primeira metade do texto é reproduzida em ordem reversa na segunda metade: A-B-C-B’-A’.
O quiasma é uma forma literária usada amplamente no antigo Oriente Médio, e ocorrendo no AT. A ampla presença da estrutura quiástica foi confirmada no NT: no Evangelho de Mateus, no de Marcos, no de Lucas, no de João, assim como na Revelação, nas cartas de Paulo e na carta aos hebreus. Ellis usando a tese de Gerhard elaborou uma estrutura para o Evangelho de João, totalmente determinada pelas leis do paralelismo quiástico. Assim o evangelho é dividido em cinco grandes partes, governadas por um tema geral:
- Parte I: 1,19-4,3: Testemunha e Discípulos
- Parte II: 4,4-6,15: Resposta a Jesus: positiva e negativa
- Parte III: 6,16-21: O Novo Êxodo
- Parte IV: 6,22-12,11: Resposta a Jesus: positiva e negativa
- Parte VI: 12,21-21,25: Testemunha e Discípulos
Assim, o centro de todo o evangelho estaria na narrativa da travessia do mar (6,16-21) que, teologicamente, significaria um novo êxodo.
Barnhart vai mais além, elaborando o que denomina ser uma mandala quiástica do Evangelho de João. Primeiramente optou pela representação em cruz, tão simbólica na tradição cristã. Uma cruz tendo ao centro de seus braços a travessia do mar (6,16-21). Segundo buscou uma aproximação com o Primeiro Dia do Gênesis. Assimilando o aparecimento de Jesus sobre as águas escuras como reflexo de Gen 1,2. Assim considera que a figura quaternária da composição narrativa, centrada sobre a travessia do mar, poderia retraçar o esquema dos sete dias da criação (Gen 1).
Na configuração de Barnhart temos o centro tomado da travessia na fala em que Jesus afirma pela primeira vez Eu Sou (ego eimi) em 6,20. Esta expressão evoca o nome divino, Jesus é o Verbo criativo que esta “no princípio” (Jo 1,1), que agora aparece, movendo como o Espírito sobre as águas do caos primeval de Gen 1,1. Este Verbo divino, fonte de toda a criação (Jo 1,3), habita no centro da criação e regenera ela nele mesmo. Deste ponto central da figura será fixada a cruz, símbolo da morte e ressurreição de Jesus. Aqui simbolicamente ocorre o ato de fé, a experiência de batismo e a passagem da escuridão à luz.
Episódios do eixo vertical desenvolvem a temática central do evangelho, da auto-revelação de Jesus tendo como pano de fundo as instituições da velha Israel, e então no meio de seus próprios discípulos. Ao longo do eixo horizontal, por outro lado, o foco se expande para abarcar o ministério público de Jesus de ensinamento e de cura.
Em detalhe, o braço inferior da mandala de Barnhart é compreendido pelas seções João Batista enquanto o braço superior está relacionado de modo simétrico ao «discípulo amado». Este discípulo e o Batista são testemunhas centrais para Jesus. Ao longo do braço direito, Jesus interage com pessoas na periferia de Israel, significando a universalidade da salvação que traz. No braço esquerdo, o movimento é centrado na Judeia, Jerusalém, templo, lei e finalmente hostilidade dos fariseus.
Os dois eixos que se cruzam na cruz representam assim: o vertical simbolizando a mudança ontológica (ou seja, a unidade divina-humana ou divina-cósmica eternamente presente tendo como ponto central de seu cruzamento com o plano da individualidade humana, o Cristo. O horizontal representando a expansão da manifestação neste plano de existência, submetida à dualidade dos dois braços da horizontal.