gr. aion
caráter do que está fora do tempo. — A eternidade diferencia-se da imortalidade, que designa a permanência indefinida além da morte (imortalidade da alma, de uma obra). O sentimento da eternidade nos é dado em certos instantes privilegiados: no amor, na aventura e, em geral, na felicidade, quando o homem vive totalmente no presente e esquece o passado e o futuro. Segundo os estoicos e também segundo os filósofos Spinoza e Fichte (a partir de 1804), somente a reflexão filosófica pode conduzir-nos a um tal estado de beatitude, ao sentimento da eternidade. (Larousse)
Entende-se por eternidade a duração de um ser que exclui todo começo e todo fim, bem como toda mudança ou sucessão. Boécio define a eternidade como “posse total, simultânea e perfeita de uma vida interminável”. Convém unicamente a Deus. — A eternidade não permite nenhuma verdadeira comparação com os acontecimentos temporais; propriamente não os precede, nem os acompanha, nem se segue a eles. Deus é presente a todos os tempos e coisas, na medida em que as conserva. As diferenças temporais, que predicamos dc sua atividade externa, tomadas em rigor de expressão, só são válidas do devir das coisas produzidas por Ele. “Deus julgará o mundo” significa: “o mundo será julgado por Deus”. — A escolástica designa por aevum a duração própria dos espíritos puros. Tal duração pode ter mudança essencial substancial, que sempre se funda na matéria; não exclui todavia a mudança acidental. É discutível a questão: se o pensar e o querer de um espírito puro mostram sucessão real. Quando esta lhe é atribuída, nega-se todavia a continuidade da mesma. As verdades abstratas, bem como a possibilidade das coisas não são eternas, mas tão-somente intemporais, isto é, são válidas independentemente de qualquer tempo, em sua realização não estão ligadas a um tempo determinado. — Rast. (Brugger)
Costuma entender-se este termo em dois sentidos: em sentido comum, segundo o qual significa o tempo infinito, ou a duração infinita, e em sentido mais filosófico, segundo o qual significa algo que não pode ser medido pelo tempo, pois transcende o tempo. Segundo Platão (Timeu), da essência eterna dizemos por vezes que foi, ou que será, mas na verdade só podemos dizer dela que é. Com efeito, o que é imóvel não pode vir a ser mais jovem nem mais velho. Da eternidade se diz que é sempre, mas deve salientar-se mais o e do que o sempre. Por isso não se pode dizer que a eternidade é uma projeção do tempo no infinito. O tempo é, antes, a imagem móvel da eternidade, isto é, uma imagem duradoura do eterno que se move de acordo com o número. Deste modo se admite o contraste entre o eterno e o sempiterno ou duradouro. Mas que a eternidade não seja simplesmente a infinita perduração temporal não quer dizer que seja algo oposto ao tempo. A eternidade não nega o tempo, mas acolhe-o, por assim dizer, no seu seio, o tempo move-se em eternidade, e é o seu modelo. Plotino recolheu e elaborou estas ideias mas teve também em conta a doutrina aristotélica.. Aristóteles parece ater-se, todavia, à concepção mais comum da eternidade, segundo a qual esta é tempo que perdura sempre. Mas ao acentuar que carece de princípio e de fim, e sobretudo ao manifestar que o eterno inclui todo o tempo e é duração imortal e divina (Sobre o Céu), usou também a contraposição mencionada no início deste artigo. Ora, Plotino insistiu ainda mais na tese platônica. Mas, de repente, a eternidade não pode reduzir-se à mera inteligibilidade nem ao repouso (Enéadas); além destes caracteres, a eternidade possui duas propriedades: unidade e indivisibilidade. Uma realidade é eterna quando não é algo no momento e algo diferente noutro momento, mas quando o é tudo ao mesmo tempo, isto é, quando possui uma “perfeição indivisível”. A eternidade é, por assim dizer, o momento de absoluta estabilidade da reunião dos inteligíveis num ponto único. Por isso, como em Platão, não se pode falar nem de futuro nem de passado; o eterno encontra-se sempre no presente; é o que é e é sempre o que é. Daí as definições caraterísticas: “a eternidade não é o substrato dos inteligíveis, mas de certo modo a irradiação que procede deles graças a essa identidade que afirma de si mesma, não com o que virá a ser depois, mas com o que é”. O ponto em que se unem todas as linhas e que persiste sem modificação na sua identidade não tem porvir que não lhe esteja já presente. Por certo que tal ser não é tão pouco o ser um presente; nesse caso, a eternidade não seria senão representação da fugacidade. Ao dizer que o eterno é o que é, pretende-se dizer, em última instância, que possui em si a plenitude do ser e que passado e futuro se encontram nele como concentrados e recolhidos. Por outras palavras, a eternidade é “o ser estável que não admite modificações no porvir e que não mudou no passado”, pois “o que se encontra nos limites do ser possui uma vida presente ao mesmo tempo plena e indivisível em todos os sentidos”. Enquanto o eterno é um ser total não composto de partes, mas antes engendrador dessas partes, distingue-se do engendrado; uma vez que o engendrado segrega o devir, o engendrado perde o seu ser enquanto se se outorgar um devir ao não engendrado sofre uma queda do seu ser verdadeiro. Daí que os seres primeiros e inteligíveis não tendam para o porvir para ser; estes seres são já a totalidade do ser: nada possuem, pois estão, por assim dizer, plenamente em si mesmos, de modo que em vez de dependerem de outra coisa para continuarem a subsistir, subsistem no seu próprio ser. A eternidade é “a vida infinita”; portanto, a vida total que nada perde de si mesma. E daí que o ser eterno se encontre, como diz Plotino, nas proximidades do Uno, de tal modo que, seguindo a sentença platônica, pode dizer-se que “a eternidade permanece no Uno” (Timeu). Em rigor , não se deveria dizer da natureza eterna que é eterna, mas simplesmente que é, que é verdade. “Pois o que é, não é distinto do que é sempre, no mesmo sentido em que o filósofo não é diferente do filósofo verdadeiro”. Por outras palavras, “o que é sempre deve tomar-se no sentido de: o que é verdadeiramente”. O tempo é, por isso, queda e imagem da eternidade, a qual não é mera abstração do ser temporal, mas fundamento deste ser. A eternidade é o fundamento da temporalidade. A meditação de Santo Agostinho, segue uma via parecida. A eternidade não pode medir-se pelo tempo, mas não é simplesmente o intemporal: “a eternidade não tem em si nada que passa; nela está tudo presente, o que não acontece com o tempo, que nunca pode estar verdadeiramente presente”. Por isso a eternidade pertence a Deus num sentido parecido àquele em que, em Plotino, pertence ao mundo. Também se distinguiu entre a sempiternidade, que decorre no tempo, e a eternidade, que constitui o eterno que está e permanece. A eternidade é a posse inteira, simultânea e perfeita de uma vida interminável.
S. Tomás aprovou esta definição e defende-a contra aqueles que objetaram a simultaneidade; segundo eles, a eternidade não pode ser omni-simultânea, pois quando as Escrituras se referem a dias e a épocas na eternidade, a referência é no plural. S. Tomás alega, entre outras coisas, que a eternidade é omni-simultânea precisamente porque, da sua definição, precisa de se eliminar o tempo. Assim se torna possível distinguir rigorosamente entre a eternidade e o tempo: a primeira é simultânea e mede o ser permanente; o segundo é sucessivo e mede todo o movimento. Durante a época moderna, tratou-se o conceito de eternidade em sentidos semelhantes aos postos em relevo pelos filósofos medievais. Espinosa indica (Ética), que entende por eternidade “a própria existência na medida em que se concebe necessariamente como decorrendo apenas da definição da coisa eterna”, e acrescenta que tal existência não se pode aplicar mediante a duração ou o tempo, embora se conceba a duração sem princípio nem fim. Outros pensadores, com Locke, examinaram a noção de eternidade do ponto de vista da formação psicológica da sua ideia; Locke afirma (Ensaio sobre o Entendimento Humano) que a ideia de eternidade procede da mesma imprecisão original de que surge a ideia de tempo (ideia de sucessão e duração), mas procedendo até ao infinito (e concebendo que a razão subsiste sempre com o fim de ir mais longe). Deste modo, Locke tendeu a conceber a eternidade como uma ideia de tempo sem princípio nem fim e, portanto, a usar o método de entender o eterno como ampliação do temporal até ao infinito. (Ferrater)
TEMPO — ETERNIDADE
Los escolásticos llamaban aevum o aeviternitas, términos que designaban modos de duración diferentes del tiempo y que condicionan los estados «angélicos», es decir, supraindividuales, que aparecen en efecto como «celestes» en relación al estado humano.
- Glória Ribeiro
- Eudoro de Sousa
- Jorge Luis Borges
Glória Ribeiro
ENSAIOS DE FILOSOFIA
Por este termo, não estamos querendo compreender “o estar fora do tempo”, mas, antes, a dinâmica que constitui o próprio tempo, e que se caracteriza como um trasbordamento, como pura gratuidade. Pois bem, o que a eternidade deixa transbordar, a graça que dela superflui é tempo, finitude. O que está sempre na iminência de deixar de ser, para poder vir a (re)começar a ser. Ou seja, deixar de ser futuro para poder vir, para começar a ser presente, deixar de ser presente, para começar a ser passado. Tempo que impelido pela eternidade torna-se fugaz. Fugacidade que causa o esquecimento da própria eternidade que o impele, e que se mostra precisamente no instante onde co-incide o fim e o começo, o deixar de ser e o vir a ser de tudo o que é num agora — a que Eckhart chama o agora da eternidade.
Diremos então, este agora da eternidade é o fenômeno onde esta se concretiza como tempo, e que diz o ato onde tudo é criado: seja o homem, as coisas, as imagens, as palavras, os conceitos. Nesse agora da eternidade, Deus é experienciado na sua unidade, fazendo calar todas as diferenças, negando todas as negações, todos os limites que nos determinam como sendo isto ou aquilo. Ora, este agora acontece no silêncio, na quase indiferença que caracteriza o nosso modo de ser cotidiano, onde não tematizamos, não sabemos em que consiste o ser das coisas e de nós mesmos, mas apenas nos deixamos ser. Sendo assim, este momento em que Deus se faz presente no homem e nas coisas, transcende a todo dizer objetivo, a todas as categorias que representam os limites do entendimento humano, porque Deus, em sua unidade, é muito maior do que qualquer ideia ou juízo que d’Ele possamos fazer. Contudo, embora não possamos conhecê-l’O através do uso de categorias, todas as coisas d’Ele nos dão testemunho, posto que Deus é o princípio do qual participamos, e que nos mantém em nossa existência. Por isso, se se quer “conhecê-lo” não é preciso formular nenhuma teoria, basta atentar para isto que nós mesmos somos; basta escutar o silêncio que precede e perpassa todas as nossas ações quotidianas, pois é, na calada destas ações, que ressoa a Palavra de Deus.
Eudoro de Sousa
Jorge Luis Borges
- O conceito escolástico do tempo como a fluência do potencial no atual tem afinidade com essa ideia. Cf os objetos eternos de Whitehead, que constituem o “reino da possibilidade” e ingressam no tempo.[↩]
- “de que cada edição faz lamentar a precedente.” (N. do T.)[↩]
- Vivo, Filho de Despeito, o improvável Robinson metafísico do romance de Abubeker Abentofail, resigna-se a coma as frutas e os peixes que são abundantes em sua ilha, sempre cuidando para que nenhuma espécie se perca e por tua culpa o universo se empobreça.[↩]
- Não quero me despedir do platonismo (que parece glacial) sem transmitir esta observação, na esperança de que lhe dêem prosseguimento e a justifiquem: O genérico pode ser mais intenso que o concreto. Casos ilustrativos não faltam. Quando menino, veraneando no norte da província, a planície arredondada e os homens que tomavam mate na cozinha me interessaram, mas minha felicidade foi incrível quando soube que esse arredondado era o “pampa” e esses homens, “gaúchos”. O mesmo ocorre com o imaginoso que se apaixona. O genérico (o nome repetido, o tipo, a pátria, o destino admirável que lhe atribui, prevalece sobre os traços individuais, que são tolerados graças ao que foi dito anteriormente.
O exemplo extremo, o de quem se apaixona por ouvir falar, é muito comum nas literaturas persa e árabe. Ouvir a descrição de uma rainha — os cabelos semelhantes às noites da separação e à emigração, mas o rosto como o dia da delícia, os seios como esferas de marfim que dão luz às luas, o andar que envergonha os antílopes e provoca o desespero dos salgueiros, os pesados quadris que a impedem de ficar de pé, os pés estreitos como ponta de lança — e apaixonar-se por ela até a placidez e a morte, é um dos temas tradicionais das 1001 Noites. Leia-se a história de Badrbasim, filho de Sharimã, ou a de Ibrahim e Yamila.[↩]