EVANGELHO DE JESUS: Mt 13:31-32; Mc 4:30-32; Lc 13:18-19
18 Ele diz então:
«A que é semelhante o reino de Elohîms?
A que assemelhá-lo ?
19 Ele é semelhante a um grão de mostarda que um homem toma e joga em seu jardim.
O grão cresce e se torna uma árvore;
os pássaros do céu habitam em seus galhos.» [Chouraqui]
Roberto Pla: Evangelho de Tomé – Logion 11; Evangelho de Tomé – Logion 20
René Guénon: O GRÃO DE MOSTARDA
Podemos ver claramente que a antítese contida no texto evangélico, ou seja, a figura do grão de mostarda que apesar de ser “a mais pequenina de todas as sementes” torna-se “a maior de todas as hortaliças”, corresponde exatamente à dupla gradação, descendente e ascendente, que, na tradição hindu, exprime a ideia de extrema pequenez e de extrema grandeza. Há ainda, no Evangelho, outras passagens em que o grão de mostarda é utilizado para representar o que de menor existe: “Se tivésseis fé como um grão de mostarda.. .” (Lucas, 17, 6); e isso não deixa de se ligar ao que estamos examinando, pois a fé, por intermédio da qual são compreendidas de certa maneira as coisas da ordem supra-sensível, está habitualmente relacionada ao coração (v. Olho do Coração). Mas o que significa essa oposição, segundo a qual o “Reino dos Céus”, ou “o Atma que reside no coração”, é ao mesmo tempo o que há de mais diminuto e mais extenso? É evidente que isso deve ser entendido de dois ângulos diferentes. Mas quais são esse ângulos? Para compreendê-los, basta em suma saber que quando se passa analogicamente do inferior para o superior, do exterior para o interior, do material para o espiritual, essa analogia, para ser corretamente aplicada, deve ser tomada no sentido inverso: assim, do mesmo modo que a imagem de um objeto no espelho está invertida em relação ao objeto, o primeiro ou o maior na ordem do princípio é, ao menos na aparência, o último ou o menor na ordem da manifestação (Guenon Vedanta). A aplicação do sentido inverso, de modo geral, é também indicada por outras palavras evangélicas, pelo menos em uma de suas significações: “Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos” (Mateus, 20, 16; cf. ibid., 19,30; Marcos, 10,31); ‘Todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado” (Lucas, 18,24); “Todo aquele que se fizer pequeno como um menino, será o maior no Reino dos Céus” (Mateus. 18,14); “Quem quiser ser o primeiro, seja o último de todos e o servo de todos” (Marcos, 9, 34); “Aquele que entre vós for o menor, este será grande” (Lucas, 9,48).
Existe ainda, na parábola do grão de mostarda, um ponto que exige explicação no que se refere ao que acaba de ser dito: a semente, ao se desenvolver, torna-se uma árvore, e sabemos que a árvore é, em todas as tradições, um dos principais símbolos do “Eixo do Mundo” (Guenon Simbolismo Cruz). Essa significação ajusta-se aqui perfeitamente: a semente é o centro; a árvore que dela sai é o eixo, proveniente desse centro, e, através de todos os mundos, ela estende seus ramos, sobre os quais vêm pousar as “aves do céu” que, como em certos textos hindus, representam os estados superiores do ser. Esse eixo invariável, de fato, é o “suporte divino” de toda existência; ele é, como ensinam as doutrinas extremo-orientais, a direção segundo a qual se exerce a “Atividade do Céu”, o lugar da manifestação da “Vontade do Céu” (Guenon Simbolismo Cruz). Não seria essa uma das razões pelas quais, no Pater, logo após o pedido “Venha o teu reino” (trata-se na verdade do “Reino de Deus”), suceda-se este outro: “Seja feita a tua vontade assim na terra como no céu”, expressão da união “axial” de todos os mundos entre si e ao Princípio divino, da plena realização daquela harmonia total à qual nos referimos e que só pode ser alcançada se todos os seres acordarem suas aspirações segundo uma única direção, qual seja, a do próprio eixo?1 “Que todos sejam um”, diz Cristo, “assim como tu, meu Pai, estás em mim e eu em ti, também eles sejam um em nós… Que sejam um como nós somos um, eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade.” (João, 17,21-23) Essa perfeita união é o verdadeiro advento do “Reino dos Céus” que vem de dentro e desabrocha para fora, na plenitude da ordem universal, acabamento de toda manifestação e restauração da integridade do “estado primordial”. É a vinda da “Jerusalém Celeste no fim dos tempos”: “Eis o tabernáculo de Deus com os homens: Ele habitará com eles, e eles serão o seu povo; e o próprio Deus estará com eles como seu Deus (v. Shekinah e de Emmanuel). E lhes enxugará toda lágrima de seus olhos, e a morte não mais existirá…” (Apocalipse de João, 21, 34). “Nunca mais haverá qualquer maldição. Nela estará o trono de Deus e do Cordeiro; seus servos o servirão, contemplarão a sua face e nas suas frontes estará o nome dele (terceiro olho; forma de um iod, Olho que tudo vê). Não haverá mais noite, e não mais terão necessidade, nem da luz de lâmpada nem da luz do sol, porque o Senhor Deus brilhará sobre eles e reinarão por todos os séculos (Apocalipse de João, 22, 3-5).
Maurice Nicoll: GRÃO DE MOSTARDA