LOGIA JESUS — É DIFÍCIL ENTRAR UM RICO NO REINO DOS CÉUS (Mt XIX, 24-27)
24 De novo vos digo: é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha, que um rico entrar no reino de Elohíms.» 25 Os adeptos o ouvem, se surpreendem muito e dizem: «Então quem pode ser salvo?» 26 Iéshoua‘ os olha atentamente e lhes diz: «Aos homens, impossível! Mas a Elohíms tudo é possível.» (Chouraqui; Mt 19:24-27)
Roberto Pla: Evangelho de Tomé: Logion 29; Logion 54; Logion 110
O evangelho distingue sempre a função que corresponde a cada um dos três Reinos cósmicos, e é seguro que não limita à riqueza do mundo visível os efeitos destrutivos da posse de seus bens.
Em um dos relatos mais representativos do evangelho, na parábola do semeador, se diz, ao explicá-la, que em quem a semente caiu “entre abrolhos”, ocorre que “as preocupações do mundo e a sedução das riquezas sufocam a Palavra e permanece sem fruto”.
Não diz a parábola que são as riquezas as que sufocam a virtude da Palavra, senão a sedução que tais riquezas, de qualquer ordem, exercem sobre a alma. A “sedução”, são os abrolhos que crescem sós. Não é o “ter” o que seca a Palavra, senão o “querer ter” — o qual é paixão que se dá por igual em ricos e pobres — o que origina as securas da alma.
Aquele homem rico da parábola de Lucas (Rico Tolo) que edificava sem cessar celeiros para atesourar riquezas não “em ordem a Deus, senão para si”, Como podia pensar que atesourava “em ordem a Deus” se tais tesouros eram de sinal material? Não seriam “riquezas” da alma para fazê-la mais poderosa no mundo, atesouradas sob a capa de virtude e sabedoria ? Porque o evangelho cala às vezes muito fundo nas dobras obscuras da psique.
Quando com referência ao “jovem rico” diz Jesus: “Difícil é que os que têm riquezas entrem no Reino de Deus”, não é possível deixar de pensar que o pior inimigo que “ter”, coisa que sempre são bens materiais, é a cobiça de “querer ter”, que é uma grave enfermidade que só é da alma. A cobiça é a atadura que impede renunciar ao mundo ao que se fez ou crê que se vai fazer rico; o mais oposto a negar-se a si mesmo, e esta negação, já se sabe, é a pobreza de espírito que abre as portas do Reino de Deus (vide Pobre em Espírito).
Agora, depois de vinte séculos de pouca frutuosa condenação “manifesta” da riqueza de sinal material, que condena aos que têm e nada diz dos que querem ter, já é tempo de buscar a raiz da enfermidade da alma, uma raiz que nada tem que ver com a ordem social, pois seu vírus ataca por igual a pobres como a ricos (vide pleonexia).
A enfermidade da alma pode ser psicológica, intelectual e espiritual, e costumam padecê-la todos os homens sem distinção. É um padecimento comum em todos os homens; mas há que curá-la pelo espírito, pois o demais “se dará por aditamento”.
Da alma se diz que é vivente por que tem a vida por “empréstimo”, pois a vida que tem se a dá o espírito que a tem em propriedade e que é sua essência. Em cumprimento de sua própria lei de ser mortal, o que cabe a alma é “negar-se a si mesma”, até consumar o final — morte da alma, e ressurreição em espírito — proclamado para ela por Cristo.
Mas na ausência de conhecimento, a alma, em tal caso, cheia de cobiça, tenta crescer, crescer…, e cresce até que chega a morte.
A uma alma assim, enriquecida conta a lei de si mesma, diz Jesus compassivo: “Que possas renunciar ao mundo”.
Annick de Souzenelle: RESSONÂNCIAS BÍBLICAS; trad. Antonio Carneiro
Alimentado do Verbo, o Homem que atravessa seus desertos passa por portas; “o camelo passa mais facilmente pelo buraco de uma agulha, disse Jesus, que um rico entra no reino de Deus (Mc 10,25)”. Se sabe que o buraco de uma agulha é a letra hebraica Qoph e que esta simboliza a Sabedoria divina, última energia à integrar antes de penetrar no reino divino, compreende-se melhor este comentário de Jesus; cada passagem obriga o Homem ao desapego. A Sabedoria divina é, com efeito, loucura para o Homem, ela exige do Homem seu desapego total e sua loucura de Deus (1Co 1, 25).