Faggin Obra Tauler

Giuseppe Faggin — Meister Eckhart e a mística medieval alemã
Tauler não publicou nada. A lenda, segundo a qual a coleção de seus sermões foi compilada pela primeira vez pelo “Amigo de Deus de Oberland”, a quem o próprio Tauler teria pedido em seu leito de morte, é simplesmente fantasia. A primeira edição de seus sermões apareceu em Leipzig em 1498 e incluía 84 sermões conservados em três manuscritos da casa dos joanistas de Grünen Worth (queimados em 1870) e em outros manuscritos que se encontram nas bibliotecas de Munique, Berlim, Estrasburgo, Leipzig, São Gallo. As edições de Basileia de 1521, 1522 e 1523 contêm outros 42 sermões, dos quais só muito poucos são autênticos; a edição conservada em 1543 pelo jesuíta Pedro Canisio e que o cartuxo L. Surius traduziu para o latim (Colônia 1548, 1603) não tem valor crítico e serve unicamente para testemunhar os propósitos apologéticos e anti-protestantes de seu autor. Entre os numerosos escritos atribuídos a Tauler, a crítica moderna só reconheceu a autenticidade de 81 sermões, provenientes de manuscritos de Engelberg, Estrasburgo e Heidelberg.

Das obras restantes, erroneamente atribuídas a Tauler, foram muito conhecidas e difundidas as Instituitiones , que não são outra coisa que uma antologia de fragmentos de Tauler, Henri Suso, Mestre Eckhart e Jan Van Ruysbroeck reunida por aquele Pedro Canisio que temos mencionado. Além das obras apócrifas citadas no capítulo anterior e na bibliografia, podemos mencionar aqui a Medulla animae e a Nachfolgung des armen Leben Christi que Schopenhauer apreciava junto com os escritos de Eckhart porque encontrava nelas a negação da vontade de viver.

Também as fontes da doutrina tauleriana — pelo menos aquelas que resultam explicitamente das citações diretas dos Sermões — são em parte as mesmas que localizamos no pensamento eckhartiano: Alberto Magno, Tomás de Aquino, Teodorico de Friburgo, Agostinho de Hipona, Bernardo de Clairvaux, Gregório Magno, o Pseudo Dionísio, Ricardo de São Victor. Além das fontes cristãs, Tauler reconhece com a máxima sinceridade a influência direta de Platão e dos neoplatônicos, de Proclo e de Porfírio. Nem sequer em Eckhart o reconhecimento foi jamais tão explícito e solene. Tauler chega a declarar que “os pagãos estavam familiarizados com o fundo da alma.., e que Proclo e Platão chegaram até ele proporcionando um claro conceito sobre este fundo aos que por si mesmos não podiam chegar a encontrá-lo tão bem”. A diferença entre a experiência cristã e o pensamento grego desaparece agora, por obra deste misticismo humano e universal que anuncia inequivocamente a Ficino e Pico della Mirandola. Tauler apela aos “santos pagãos” não apenas quanto a máximas morais ou a abstratos filosofemas mas nada menos que a respeito da própria meta da vida espiritual:a reunião com o Uno. Uma citação de Proclo, que parece corresponder a uma passagem do De Providentia et fato, não deixa dúvidas a respeito.

Porém, mais que através das escassas fontes diretas, o espírito de especulação neoplatônica penetrava em Tauler através da ensinança viva de Eckhart, a quem se esforça sempre em defender do ultraje que significava sua condenação. Para Tauler, Eckhart não foi compreendido: “ele falava sempre do ponto de vista da eternidade”, enquanto os demais o entendiam do ponto de vista do tempo. Tauler evita, contudo, citar suas proposições condenadas: ou, se o faz, defende seu sentido católico e suas retas intenções.

Em nome da mesma genuína doutrina cristã e eckhartiana, Tauler combate a falsa liberdade dos bigardos e dos Irmãos do Livre Espírito. Seu ideal ético é, como veremos, um ideal de equilíbrio e de ordem interior: “aqueles que chegam à meta sem a humildade que inclui as três virtudes do perfeito abandono, da passividade, do respeito escrupuloso do bem divino e não vivem no claustro da caridade, e aqueles que para chegar até aqui, não seguiram o caminho de um perfeito exercício, caem diretamente no abismo”. Não se chega ao fim com a liberdade abusiva e com uma falsa luz; “o caminho que conduz à meta deve passar através da adorável vida e paixão de Cristo, pois ele é o caminho… Ele é a porta e aquele que entra por outra porta é um ladrão. Por esta amável porta se deve passar, forçando a natureza e exercitando-se na virtude com humildade, doçura, paciência. Quem não vai por este caminho acabará por perder-se”.