VIDE: Hino Caído do Céu
O símbolo do Fênix ou “perit ut vivat”
Antes de ver se o que foi escrito — e descrito — relativamente às condições póstumas do defunto, encontra uma referência entre os autores católicos de espírito tradicional, Tourniac volta-se para a mistura na mentalidade ocidental das noções de imortalidade e de eternidade.
Na arte heráldica, o Fênix, este pássaro fabuloso que se representa de perfil, com as asas entreabertas, repousa sobre uma fogueira e esta é chamada, precisamente, imortalidade. Gérard de Sorval em sua obra “Le langage secret du blason” define a “imortalidade” heráldica assim:
- fogueira inflamada sobra a qual está representado o fênix alçando asas, símbolo do renascimento, da ressurreição.
Nas Escrituras se fala de Nascer do Alto: “Jesus respondeu: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus” (Jo 3:5).
- A vida eterna é subjacente ao renascimento anímico (água) e espiritual (fogo).
Assim, sem se estender sobre a tradição heráldica, deve-se frisar que a “imortalidade”… é justamente a fogueira, logo o que se consome totalmente em cinzas.
Cabe ressaltar ainda que se nos versos dos Salmos 92,131 e 91,13 se designa o Fênix sob o nome de Phoinix, “pássaro” na tradução grega; o texto de origem hebraico diz “palmeira”, “thamar”, para estes mesmos versículos. Esta confusão favorizada pelo fato que se trata, de toda maneira, de um símbolo de longevidade coincide aqui com o que se pode ler nos poetas (por exemplo, Hesíodo, fragmento 171) ou os naturalistas pagãos (Por exemplo, Plínio, História Natural X, 2). Outros autores eclesiásticos utilizam igualmente o mito, por exemplo Clemente de Roma ou Lactâncio, que escreve um poema “Sobre o pássaro fênix”. Os textos gnósticos da Biblioteca de Nag Hammadi também conhecem o simbolismo (vide Michel Tardieu).
Tourniac continua sua análise resgatando elementos da tradição judaica (Festa dos Tabernáculos, sukkoth), como festas das palmas.
Segundo Josefo a “cidade do sol”, Heliopolis, está em conexão com o simbolismo do Fênix, assim como o Santo Graal, em representações do “cálice da imortalidade”. De fato o “cálice de ambrosia” se relaciona a eternidade e a “cidade solar” é a montanha do Polo sobre a qual pousa o Fênix.
Tourniac recomenda sobre todos estes pontos a obra de Henry Corbin, onde o fênix tem um papel capital na hermenêutica xiita (vide Molla Sadra Shirazi e Sohravardi). O que o leva a abrir de novo a questão sobre o sentido real do termo “alma”, enquanto “quid da transformação”.
Referindo-se a Tomas de Aquino, Tourniac o cita: “A alma razoável supera em amplitude a matéria corporal e a “parte de alma” que é independente de todo órgão corporal tem “uma espécie de infinitude” em relação ao corpo e às partes da alma agregadas ao corpo”, o que indica certa dualidade de sentido para a alma, uma alma carnal, logo mortal, ligada à alma espiritual.
Retomando René Guénon, pode-se dizer que há “transmutação” do corpo carnal psico-somático na alma “informante” do corpo e, ao final deste processo de manutenção anímica, “trans-formação” da Alma (e logo do corpo) na Forma divina do “Corpo glorioso”. É a “Forma-Dei” última qu enos conduz uma vez ainda à “Ressurreição dos Corpos” e à “Vida eterna” ao invés da “imortalidade da alma”, esta apagando por vezes na linguagem corrente as duas outras promessas, as únicas pertencentes propriamente à revelação cristã: “Ressurreição dos Corpos e Vida eterna”.
Não há surpresas portanto quando Tertuliano, como a maioria dos Padres, tenha visto no Fênix…. o símbolo da Ressurreição na passagem seguinte de seu “Tratado sobre a Ressurreição”, já citado e comentado no capítulo V:
XIII. Si le renouvellement de l’univers figure imparfaitement la résurrection; si la création ne prouve rien de semblable, parce que chacune de ses productions finit plutôt qu’elle ne meurt, est rendue à sa forme plutôt qu’à la vie, eh bien! voici un témoignage de notre espérance complet et irrécusable. Il s’agit en effet d’un être animé, sujet à la vie et à la mort. Je veux parler de cet oiseau particulier à l’Orient, célèbre parce qu’il est sans pareil, phénoménal parce qu’il est à lui-même sa postérité; qui, préparant volontiers ses propres funérailles, se renouvelle dans sa |453 mort, héritier et successeur de lui-même, nouveau phénix où il n’y en a plus, toujours lui quoiqu’il ait cessé d’être, toujours semblable, quoique différent. Quel témoignage plus explicite et plus formel pour notre cause? ou quel autre sens pourrait avoir cet enseignement? Dieu l’a déclaré lui-même dans ses Ecritures: « Il se renouvellera, dit-il, comme le phénix; » qu’est-ce à dire? Il se relèvera de la mort et du tombeau, afin que tu croies que la substance du corps peut être rappelée, même des flammes. Le Seigneur a déclaré que nous « valons mieux que beaucoup de passereaux. » Si nous ne valons pas mieux que le phénix aussi, l’avantage est médiocre.
XIV. L’homme mourra-t-il pour toujours, quand l’oiseau de l’Arabie est sûr de ressusciter?
Se o Fênix nos situa em nosso ponto de partida: “a Ressurreição dos corpos nos cristianismos”, parece oportuno interrogar agora sobre este assunto um religioso católico o Abade Stephane, compiladas em Stephane Ressurreição.
Compreende-se assim melhor os temores da “Sagrada Congregação para a doutrina da Fé”, temores que motivaram a publicação dos sete pontos resumindo o ensinamento cristão “sobre o que advém entre a morte do cristão e a ressurreição geral”, reunidas na “Carta sobre algumas questões concernentes à escatologia”.
Por último, Tourniac retoma capítulo VI de O homem e seu devir segundo o vedanta e prossegue então com referências sucessivas a esta obra importante para entendimento deste tema.
A um certo ponto de vista, a “alma vivente” reabsorvida na sua modalidade pós-corporal sutil é “sua própria luz”, como no estado corporal de sono. Ele se move em um modo que procede dela; as formas sutis que ela aí encontra não são substancialmente senão modificações transitórias ou secundárias de sua própria “imagem” sutil. Poderia se pensar que ela aí produz seu “inferno” e seu “paraíso”, se outras determinações do conjunto do estado sutil não devessem também ser levadas em consideração que referem-se, estas, ao contexto religioso propriamente dito regendo a dita individualidade quando de sua estase corporal.
A princípio esta produção sutil:
- por um lado tem um aspecto não racional, não coordenado: de onde estes terrores e fardos das “almas errantes” nas descrições póstumas do Bardo-Thodol tibetano e do mundo da Duat na tradição egípcia.
- por outro lado, beneficia, como já dito, de certa escapada, pelo prolongamento “sutil” fora das condição limitativas da modalidade corporal.
Este prolongamento não está mais submetido ao “tempo corporal” mas à “perpetuidade” ou indefinidade temporal, o que faz que o tempo da alma do defunto, se também é concebido em modo de sucessão, não tenha, no entanto, nenhuma medida comum com o tempo “corporal” do homem corporal; um pouco como o homem do sono, deste último, não coincide também com aquele do estado desperto, mas lhe assemelha somente pela sucessão das imagens e das sensações. É nesta “duração sem tempo” e póstuma, que o ser pode adquirir a libertação, seja “em curso”, seja ao final do “ciclo” e ao retorno do Verbo, “Pai do Ciclo futuro” (o “Pater futuri saeculi” das Litanias do Nome de Jesus). Ao final do ciclo, dizemos, e sem que a individualidade tenha sofrido uma passagem em uma multidão de outros estados individuais não-humanos, ele se encontrará reintegrada ao “estado principial de não-manifestação”, sua trans-formação resultante do “juízo final” na escatologia cristã e judeo-cristã.
No entanto, se há comparações a fazer entra a “vida póstuma” assim prolongada, e a vida terrestre “em estado de sono”, não seria preciso concluir em uma identidade absoluta (leia DIFERENÇA DAS CONDIÇÕES PÓSTUMAS).