Quando se tratava de formar pilotos de aviões de combate supersônicos, os que eram encarregados dessa formação tropeçaram em dificuldades quase insuperáveis. Como confiar um aparelho de extrema complexidade – e aliás mais que oneroso – a um aprendiz de piloto que não tinha justamente domínio dele? E quem poderia, no entanto, adquirir esse domínio senão em contato com o aparelho, praticando todas as manobras da decolagem, da navegação, do combate, da volta ao solo, etc., e isso graças ao manejo de múltiplos comandos, à decodificação de múltiplos sinais?
A guerra, tudo o que a prepara e se encontra ligado a ela de algum modo, estava aí, como se sabe, uma das principais causas do progresso técnico – enquanto, ao menos, este obedecia a um fim para além dele mesmo. Simular um espaço semelhante àquele em que será colocado o piloto, o conjunto de condições em que se desenrolará sua ação – os instrumentos, suas respectivas localizações e os gestos precisos implicados em sua utilização –, repetir exatamente [378] todas as informações que ele receberá e mais geralmente o universo perceptível inteiro que definirá seu campo de ação, as sensações e as impressões de todas as espécies que ele experimentará, visuais, sonoras, cinésicas e outras, em suma, a simulação em solo do “viver” concreto que seria o do piloto em voo e em combate, tal foi a solução. Ela implicava a construção de uma quantidade de dispositivos complexos e sofisticados, computadores, robôs, etc., suscetíveis de reproduzir fielmente para o piloto não só seu ambiente instrumental e tecnológico imediato, mas suas relações com ele, as experiências, as percepções que seriam as suas se ele realizasse um voo real num aparelho real.
E isso não será somente uma parte do espetáculo fictício que há de ser semelhante ao espetáculo e às impressões que o aprendiz de piloto teria percebido e experimentado se voasse realmente, a disposição interior da pseudocabine, por exemplo. O que ele verá lá fora desta será semelhante ao que verá num voo real, num céu real! Os mesmos raios de luz, as mesmas trajetórias de aviões-fantasmas contra os quais ele abre fogo, as mesmas explosões, o mesmo estrépito, os mesmos loopings, as mesmas perdas de equilíbrio, os mesmos foguetes, os mesmos alvos, ataques ou falhas, os mesmos sucessos, os mesmos fracassos! Reprodução integral e perfeita, em seus componentes “físicos” e emocionais, do combate simulado – do combate fictício real ou, se se preferir, do combate real fictício. Tanto na simulação perfeita como na alucinação, já não há diferença entre o verdadeiro e o falso, e não pode haver. Mas, quando já nada distingue o verdadeiro do falso, é uma nova era que começa, um tempo perigoso. O da mentira não episódica e pontual, mas sistemática, permanente, eficaz, ontológica, e que já não pode ser percebida como tal. E a totalidade da série de aparições que é falsa, quando, por sua própria pressão sensível imediata, elas se impõem como reais. Mas este tempo de uma mentira que já não é e não pode ser percebida como tal é o da loucura. Pois a loucura não é nada mais [379] que a impossibilidade de dissociar a aparência da realidade. No exemplo que nos ocupa: a impossibilidade de estabelecer uma clivagem entre as séries de aparições simuladas e as, exatamente semelhantes, que comporiam o sistema da realidade.
Imaginemos agora a simulação tornada no mundo técnico-científico um procedimento aplicado não unicamente ao domínio militar, mas também ao das relações sociais e, por exemplo, à relação erótica entre o homem e a mulher. E coloquemo-nos na hipótese em que é o primeiro que faz uso de uma cabine de simulação. Ei-lo, pois, como o aprendiz de piloto, colocado em certa posição. A aparência de um corpo de mulher desdobra progressivamente diante dele seus diferentes aspectos, e isso não como no plano de uma tela, mas sob seus dedos, de modo que a cada movimento de sua mão ou de seu corpo se descobre uma nova zona do corpo feminino e corresponde um movimento deste – a cada uma de suas carícias, uma carícia da mulher enquanto se despertam nele as sequências pré-traçadas dos desejos e das sensações erógenas. Para o utilizador da cabine de simulação erótica, produz-se então uma espécie de inversão ontológica. A ciência tinha reduzido o Si transcendental vivente a um objeto morto do campo galileano, a redes de neurônios que não sentem nada, não pensam nada, não dizem nada. Eis que a este autômato convém restituir alguma propriedade ou aparência humana. Entram então em ação os computadores mantidos em reserva. Sob os toques, a aparência do corpo de mulher estremece, os olhos se fecham, a boca se torce e se põe a gemer, todos os sinais de prazer estão ali. A estátua da Besta retoma vida, sua vida fictícia se mistura à do utilizador da cabine. Como diz o Apocalipse, trata-se de “infundir espírito à imagem da Besta, de modo que a imagem pudesse falar” (13,14). Tal é o prodígio que vai seduzir os habitantes da terra, a obra dos falsos profetas e dos falsos messias. Eles farão máquinas extraordinárias que farão tudo o que os homens e as mulheres fazem, e isso para fazê-los crer, a estes homens e a estas mulher es, que também eles não são senão máquinas.
Àqueles que, entre os tessalonicenses, anunciam a vinda do Dia do Senhor como iminente, e isso com base em pretensas cartas que eles teriam recebido dele, Paulo opõe que “deve primeiro […] aparecer o homem ímpio, o filho da perdição, o adversário, que se levanta contra tudo que se chama Deus ou recebe culto” (2 Tessalonicenses 2,3). O que é chamado Deus ou é adorado: a Vida, a Vida verdadeira que anima todo Si vivente verdadeiro e faz dele um Vivente verdadeiro – a Vida que denuncia o ídolo vazio, a estátua da Besta, tudo aquilo a que se daria uma aparência de homem ou de mulher e que não seria nem um nem outro. Tudo isso de que se acompanhará “a vinda do ímpio […] com toda sorte de portentos, milagres e prodígios mentirosos e por todas as seduções da injustiça, para aqueles que se perdem, porque não acolheram o amor da verdade…” (ibidem, 2,9-10). A Verdade: a Vida. O prodígio: a simulação da Vida. O mal: todos os lugares onde esta simulação acontece. Na cabine erótica quando aquele que quer abraçar uma mulher, experimentar sua vida ali onde esta vida se experimenta a si mesma, em seu Si vivente – quando ele não abraça senão o vazio, a Ausência pura, o mal radical: NINGUÉM.
Na cabine de simulação, mas também em todos os lugares onde tal situação metafísica se produz: em todos os lugares onde o homem e a mulher não são senão um objeto, uma coisa morta, uma rede de neurônios, um feixe de processos naturais – onde quem quer que seja, posto diante de um homem ou de uma mulher, se encontra diante do que, despojado do Si transcendental que constitui sua essência, já não é nada, já não é mais que morte. (Michel Henry MHSV)