Sentido Oculto

SENTIDOS DA ESCRITURA — SENTIDO OCULTO E SENTIDO APARENTE

Roberto Pla: Evangelho de Tomé [RPET]

Em seus estudo sobre o Evangelho de Tomé, este tradicionalista discorre na introdução sobre as condições de possibilidade de uma justa hermenêutica das Escrituras, em especial o AT e o NT. Segundo Pla, é necessário adotar o que denomina “método oculto”, que nada tem de “ocultista” ou de caminho adotado pelo “Ocultismo”, termos carregados de sentidos, até pejorativos.

O método oculto só é aplicável quando o investigador tem notícia de que os hagiógrafos cristãos praticaram uma hermenêutica dual, como Pla acredita, segundo a qual eram explicadas em simultaneidade, em um mesmo texto, as duas variantes, manifesta e oculta. Razão pela qual em seus comentários Roberto Pla, faz tantas referências às vertentes oculta e manifesta, ao Cristo oculto e Cristo manifesto, que coexistem enquanto sentidos expressos nas Escrituras.

De fato, mesmo os escritores cristão das primeiras gerações sabiamente adotaram, compreendendo ou não o sentido dos escritos cristãos primordiais, a “retórica” destes escritos, respeitando sua linguagem, seus símbolos, sus metáforas, sua exposição da Verdade. Lamentavelmente de geração a geração esta disciplina retórica foi se perdendo na medida que a compreensão de seu sentido profundo, da Verdade que assim se “re-velava” foi se atenuando. A ponto de se perder a meditação sobre as Escrituras e o escritos dos Padres da Igreja, em debates sobre “dogmas” que se formalizaram na ignorância do sentido mais profundo dos símbolos cristãos na “re-velação” da dualidade do Cristo oculto e manifesto.

Pla considera que este saber prévio destas vertentes vem a ser uma tomada de consciência que uma vez instaurada permite “des-cobrir” em cada texto já conhecido segundo a vertente manifesta, uma leitura nova não entrevista até então, que abre uma nova interpretação em conformidade com a vertente oculta.

A isso há que agregar que assim como a cristologia «manifesta» não estuda só o ser e a pessoa de Cristo, senão também sua obra salvadora que explica como cristologia soteriológica, assim também na cristologia «oculta» é possível distinguir, só para efeitos de análise e sem que afete a unidade indivisível de Cristo, duas etapas metodológicas.

Pela prática da primeira destas etapas, a qual podemos denominar “de atualização indireta”, deve ser possível ao estudioso efetuar por seleção natural, espontânea, uma “releitura” de cada texto, uma leitura nova, não condicionada pelas interpretações proporcionadas durante muitos séculos pela exegese manifesta, e que de fato se interpõem muito seriamente entre o texto e o conhecimento verdadeiro do que expressa em sua vertente oculta.

A medida que a “atualização indireta” é praticada, é possível adquirir o hábito formal para descobrir a expressão oculta que subjaz na capa superficial manifesta. Pelo estudo destas expressões de signo oculto se chega a adquirir um conhecimento indireto do Cristo “completo”, conhecimento que por sua vez, embora seja indireto, enriquece por si só em grande medida o “saber” acerca do conteúdo dual das escrituras. É assim como resulta possível contemplar gradualmente uma imagem mais totalizadora de Cristo que aquela que proporciona a simples cristologia manifesta.

Isso que dissemos da cristologia é aplicável a todos os métodos de exegese do NT segundo a ciência manifesta: o método filológico, o da história das formas, o da história da redação, e o midrásico-derásico, o último e afortunado rebento dos métodos da exegese.

  • O método de interpretação derásico (da palavra hebraica derás, derash = interpretação; de derás deriva também “misdrás”) consiste em contar de modo sistemático com as formas de interpretação rabínicas na hora de fazer exegese del NT. Um punto particular deste método é estudar pontos concretos atendendo a seu possível substrato semítico, arameu mais concreto, comparando-os com os dados que nos oferece a literatura rabínica e targúmica.

Como todo investigador bem sabe, um método não deixa de ser um instrumento técnico de trabalho, e sua aplicação resulta vazia, inútil, enquanto seu conteúdo não se enche de sentido com um material entregue pelo conhecimento. Por isto não há dúvida de que nem a história de um termo, nem a classificação da forma, nem o processo redacional seguido pelo texto, nem o conhecimento dos procedimentos “derásicos”, nem a história da relação das fontes rabínicas com o NT, haverão de servir por si só para decifrar o sentido completo de um texto, senão só para confirmar ou desprezar as prévias hipóteses.

Por este motivo não é infrequente encontrar trabalhos exegéticos brilhantemente desenvolvidos segundo as fórmulas de um método ou soma de métodos, cujo significado final é o mesmo que cão mordendo sua cauda, posto que o método e suas técnicas não aportaram explicações senão procedimentos para confirmar o estado prévio do saber ou a ignorância.

No entanto, o conhecimento prévio de que os textos neotestamentários foram confeccionados de acordo com uma hermenêutica dual serve necessariamente para decifrar seu sentido completo. Todos os textos discorrem paralelamente por uma via manifesta e outra via oculta, e quando esta última é descoberta, a primeira via se aperfeiçoa, pois ambas são chamadas a completar-se no sentido absoluto, como síntese última prevista pelo hagiógrafo.

O reconhecimento e a investigação conseguinte dessa hermenêutica dual pela qual pode ser “des-coberta” a via oculta, constitui o primeiro passo metodológico de aproximação ao Cristo oculto, passo que foi denominado de “atualização indireta”. Com efeito, o que por isto se pretende é atualizar na consciência a existência de uma via subjacente nas escrituras pela qual é possível saber que os textos canônicos cristãos mencionam e esclarecem em boa medida o Cristo preexistente, eterno.

Uma vez posto em marcha um estudo indireto, “externo”, intelectual, da via oculta, é necessário entrar com resolução no segundo capítulo metodológico, que designamos como de “revelação direta”.

Ao dizer “revelação direta”, queremos explicar que nesta investigação a qual tanta atenção prestamos em nosso escrito e da qual agora, só fazemos uma leve exposição orientativa, o objeto de investigação parece estar no interior de um mesmo, pelo qual, o sujeito e o objeto, o conhecedor e o conhecido, começam por ser uma distinção pouco clara na consciência para logo cristalizar na realidade de ser uma só e mesma coisa.

A explicação mais esclarecedora disto que dissemos, talvez possamos vê-la enunciada no texto do discurso que segundo conta Lucas nos Atos, dirigiu Paulo Apóstolo aos atenienses no Areópago. Paulo pretende falar naquela ocasião do “Deus Desconhecido” assim mencionado pelos atenienses em uma inscrição ante um altar (v. PAULO DEUS DESCONHECIDO).