René de Tryon-Montalembert e Kurt Hruby [MHCTJ]
Deus, repetimo-lo várias vezes, permanece impossível de conhecer: «Segundo quem poderiam vocês imaginar-Me e quem seria o meu igual?», diz o Santo… (Is, XL, 25). Contudo, existe toda uma série de traços e de reflexos de Deus que tornam possível senão distingui-lo, pelo menos aperceber as suas misteriosas aproximações. A sombra sobre o muro permite descobrir a presença do Sol; um fogo na noite permite situar a luz de uma fogueira.
Estes traços, estas luzes, estas sombras, estes reflexos, são os Sefirós. Penetramos aqui num domínio extraordinariamente delicado e complexo, numa verdadeira floresta de especulações metafísicas e místicas, onde cada cabalista avalia o seu próprio domínio, recorrendo frequentemente ao simbolismo da linha, da imagem, do desenho, para exprimir o seu próprio pensamento. Os Sefirós aparecem-nos frequentemente sob o aspecto de «árvores», de formas mais ou menos geométricas, com derivações dicotômicas de ramos abundantes. Fala-se correntemente da «árvore», ou das «árvores» dos Sefirós. Porquê todo este simbolismo vegetal? É que acontece que estamos aqui em presença de um verdadeiro organismo ontológico que se desenvolve segundo as leis de uma imperiosa hierarquia. Contudo, esta «árvore» distingue-se absolutamente de tudo o que nos poderia levar a pensar numa espécie de «Escada de Jacó», unindo a terra e os céus. Porque os Sefirós estão incluídos uns nos outros; e, mais do que isso, cada qual contém-nos a todos e encontra-se contido, todavia, no interior dos seus semelhantes. E o En-Sof permanece sempre o misterioso cofre.
É o En-Sof que constitui a raiz profunda de toda a árvore. E como admirarmo-nos disso já que se trata da «raiz de todas as raízes»?
O que é mais estranho é que o primeiro Sefiró é-nos igualmente apresentado sob a denominação de «Coroa». Que dizer senão que, neste universo imperceptível que se situa no além do Ser, se encontra justamente a misteriosa fonte de onde jorra tudo o que é? É por isso que podemos falar de «Coroa» (Keter); visto que é aqui que encontramos a Coroa superior que está «no alto» e da qual «se formam todas as coroas (Zohar, III, 288b). Numa simbólica semelhante, a Coroa «é o metal precioso do qual são feitas todas as outras joias». Mas, seja como for, o Zohar não receia precisar: «Um claro conhecimento da Coroa não é acessível a nenhuma sabedoria, a nenhuma inteligência» (Zohar, III, 258b). Chama-se ao primeiro Sefiró «a Coroa» porque ele não tem nada de limitado nem de finito (Zohar, LL, 42b; III; 258b). «Ela é chamada Ayin porque não se sabe e não se pode saber o que está contido nela» (Zohar, III, 288b).
À Coroa estão geralmente associados dois ramos principais que dela brotam imediatamente: trata-se da Sabedoria (Hokhmah) e da Inteligência (Binah); Keter, Hokhmah e Binah constituem a primeira das tríades destas palmas místicas: a do «mundo da Inteligência». «Com a Sabedoria e a Inteligência começa o desenvolvimento das coisas» (Zohar, III, 290a). A Sabedoria carateriza-se pela sua força de iniciativa; é o princípio masculino, o protótipo universal de todo o ser, sem o qual nada conseguiria existir, e que não deixa de apresentar alguma semelhança com a «ideia» de Platão. Mas a Sabedoria só se nos torna acessível na medida em que se converte, ao nosso nível, numa espécie de exteriorização que nos é perceptível; e é a Inteligência, derivada da Sabedoria, pondo o inacessível ao nosso alcance, recebendo desta o seu próprio poder numa atitude de pouca recepção, que faz dela o princípio feminino do universo inteiro.
Há uma segunda «palma» dos Sefirós, que vem desabrochar-se para continuar a primeira: é esta que nos introduz no «mundo do sentimento»: Graça, Justiça e Beleza.
Por fim, a terceira «palma», a do «mundo da natureza»: Vitória, Majestade e Fundamento.
Quanto ao último dos dez Sefirós, é o do «Reino» ou da «Realeza» da Shekhinah ou da Matrona que faz passar no mundo sensível — o nosso mundo, aquele onde passamos a nossa existência humana e quotidiana— toda a misteriosa disposição dos divinos «ramos» do mundo supra-sensível.
As relações dos Sefirós entre eles e com o En-Sof, os misteriosos «canais» e «pedúnculos» que os unem, constituem sistemas extremamente complicados e variados.
O que importa reter é que no interior de cada tríade dois princípios contrários estão sempre unidos por um terceiro, que desempenha o papel de mediador. Encontramos aí esta lei, já anteriormente encontrada, da reconciliação «ternaria» das forças «binarias» opostas.
É deste modo que entre Sabedoria e Inteligência, princípio masculino e princípio feminino da primeira «palma» dos Sefirós, vemos inserir-se «num filho semelhante simultaneamente ao pai e à mãe» (Zohar, III, 290 a) e que é o Conhecimento: «Quanto a Sabedoria e a Inteligência querem produzir algo, é sob esta forma que o fazem: é por intermédio do seu filho, que tem as feições do pai e da mãe e que se chama Ciência. É a testemunha de um e de outro, é o grande primogênito» (Zohar, III, 291 a). Assinalemos, contudo, que, no caso da primeira tríade, a do mundo inteligível, o Conhecimento não constitui um Sefiró distinto. Sucede de outra maneira com a segunda tríade, a do Sentimento: Graça e Justiça exigem um medianeiro que vai constituir um ramo distinto: o da harmonia universal. «A Justiça e a Graça estão ligadas e uma não pode ir sem a outra (…). As duas são usadas pela Beleza, a qual abrange simultaneamente a Graça e a Justiça (…). Quando todas as cores, todas as faces, estão unidas, é a Beleza e é a realização de todas as coisas» (Zohar, II, 143 b). Uma mediação universal da Beleza, eis o que poderá surpreender, mas não esqueçamos as influências neoplatônicas que se exerceram na gênese do pensamento cabalístico. Por fim, para a terceira e última tríade, é no Fundamento que a Vitória e Glória encontram o seu mediador: isto significa que todo o vigor, toda a força de expansão contida na Beleza, não irá contentar-se em alargar-se somente na difusão de uma glória imaterial, mas vai também «derramar na matriz do mundo»: e é aí o termo de toda a ação dos Sefirós.
Este princípio trinitário encontra-se aliás a todos os níveis. Notamo-lo ao percorrer a árvore dos Sefirós, seguindo um percurso horizontal desde a sua raiz principal (o En-Sof) até à multiplicidade de folíolos que espalham a sua abundância luxuriante sobre todo o universo perceptível aos nossos sentidos. Mas podemos ainda efetuar o percurso inverso e complementar que consiste em percorrer a árvore de uma maneira vertical, como se o tronco dos Sefirós se encontrasse separado em duas majestosas colunas, a da direita, marcada pela Clemência: o «Pilar do Amor»; a da esquerda, pelo Rigor: o «Pilar do Juízo»; sem esquecer, entre elas, a mediação sempre necessária: a «Coluna do Meio».