Nossa Grande Força [KDNH]

Biblioteca de Nag Hammadi
O Conceito de Nossa Grande Forca (V 1,4)

O título completo deste apocalipse é dado no início: “A Percepção Inteligente: o Conceito de Nossa Grande Força”. Trata-se de exposição de magistério, cujo autor, que fala na primeira pessoa, é difícil de identificar. O locutor não é certamente a Grande Força, mas um Ser superior que relê a história da salvação em perspectiva gnóstica. Sucessivamente, ele apresenta a história da salvação do começo até o fim (p. 36-43), depois a vinda e a obra redentora do Salvador (p. 43-48). O escrito situa-se no campo das tradições judaico-cristãs e gnósticas, produzindo uma interpretação de textos bíblicos (Gn 1-6; Is 13; Jr 4; Jl 4; Dn 12; Mt 24,26-28; 2Ts 2; Ap 13). Desvalorizando o Antigo Testamento, anuncia um futuro fundado na gno-se, segundo o princípio enunciado na p. 36,37-37,2, que propõe três vezes o termo “(re)conhecer”:

Reconhecei como veio aquele que se foi, a fim de conhecer o Vivente, para alcançar a existência. E sabei como reconhecer a aparência deste Eão, de que espécie ele é ou como (ele) será.

A história da salvação abarca três períodos, divididos como segue:

1. O período carnal, abreviado pelo dilúvio:

Como o éon carnal provinha dos corpos dos gigantes (cf. Gn 6,4) foram-lhe atribuídos longos dias na criação. Quando eles se macularam e entraram na carne, o pai da carne, a água, fez seu julgamento. Pois, considerando Noé piedoso e digno, o pai da carne submeteu os anjos em sujeição (e) prega a piedade por cento e vinte anos Cf. Gn 6,3). Mas ninguém o escuta. E ele fez uma arca de madeira, nela entrando aquele que ele havia encontrado. E deu-se o dilúvio. Assim, Noé salvou-se com seus filhos. (Com efeito), se a arca não houvesse sido concebida para se entrar nela, a água do dilúvio não teria vindo. Desse modo, ele desejou e projetou salvar os deuses, os anjos e as forças (p. 38,13-39,6).

2. O período psíquico, marcado pela mácula e pela aparição do Salvador. A descrição apocalíptica é particularmente nutrida por esse período:

Então, neste éon (no sentido de período, era), que é o psíquico, aparecerá o Homem que conhece a Grande Força. Ele (a) receberá e me conhecerá. Ele beberá do leite da Mãe (da criação?). Ele falará em parábolas e proclamará o éon que está por vir, tal como falou Noé no primeiro éon carnal. No que se refere às suas palavras, ele as disse todas em setenta e duas línguas. E ele abriu a porta dos céus com suas palavras e entregou o chefe do Hades ao opróbrio. Ele ressuscitou os mortos e destruiu seu império (da morte) (p. 40,24-41,12).

3. O período futuro do triunfo definitivo da Grande Força e da reunião das almas dos justos na câmara nupcial:

Então aparecerão as almas santificadas pela luz da Força que é exaltada sobre as Forças, o Incomensurável, o Universal. Junto comigo, todos aqueles que me conhecerão virão a existir no Éon da beleza e no Éon da justiça, preparados pela Sabedoria, tendo dado glória àquele que está na indizível unidade.

E eles o veem por meio de seu desejo, que está neles. E eles todos tornam-se imagens (reflexas) graças à sua luz. Eles irradiam (luz) e encontram repouso em seu repouso (p. 47,9-26).

Texto gnóstico cristianizado ou apocalipse cristão de tendências gnósticas? É difícil opinar. Parece que o tratado é mais gnóstico do que bíblico, já que recusa e desvaloriza as Escrituras.