Máximo o Confessor — Do Pai Nosso
Escrito por volta de 630, esta carta de Máximo a um amigo em Cristo, se apresenta como uma interpretação da oração do Pai Nosso. Apresentamos excertos traduzidos da tradução inglesa da Philokalia.
Se a finalidade do conselho divino é a deificação de nossa natureza, e a meta dos pensamentos divinos é suprir os pré-requisitos de nossa vida, segue-se que deveríamos tanto conhecer como levar a efeito o poder do “Pai Nosso”, e escrever sobre isto de maneira adequada. E como v., escrevendo para mim, seu servo, foi inspirado em menciona esta oração em particular, ela é necessariamente o assunto de minhas próprias palavras também; portanto eu suplico o Senhor, que nos ensinou esta oração, para abrir meu intelecto de modo que este possa apreender os mistérios contidos nela,e dar-me as palavras condizentes com a tarefa de elucidar o que compreendi. Pois oculto dentro de um limitado campo esta oração contém toda o propósito e objetivo que falamos; ou melhor, abertamente proclama este propósito e objetivo àqueles intelectos fortes o suficiente para percebê-los. A oração inclui petições para tudo que o Logos divino efetivou através de Seu auto-esvaziamento na encarnação, e nos ensina a esforçarmos por estas bençãos das quais o verdadeiro provedor é Deus o Pai somente através da mediação natural do Filho no Espírito Santo. Pois o Senhor Jesus é mediador entre Deus e os homens, como afirma o divino apóstolo (I Tim 2,5), posto que Ele faz o Pai desconhecido manifesto aos homens através da carne, e dá àqueles que foram reconciliados com Ele acesso ao Pai através do Espírito Santo (Ef. 2,18). Foi em favor deles e para o bem deles que sem modificação Ele se tornou homem, e é agora o autor e mestre de tantos e tão grandes novos mistérios ainda além de nossa compreensão.
Destes mistérios que Ele concedeu ao homem em Sua ilimitada generosidade, sete são de significância geral; e são estas cujo poder, como disse, permanece oculto dentro do Pai Nosso. Estas sete são a teologia, a adoção como filhos pela graça, a igualdade com os anjos, a participação na vida eterna, a restauração da natureza humana quando é reconciliada desapaixonadamente consigo mesma, a abolição da lei do pecado, e a destruição da tirania que nos prende sob seu poder através da ilusão do maligno.
Examinemos a verdade do que falamos. A teologia nos ensinada pelo Logos de Deus encarnado, posto que Ele revela nEle mesmo o Pai e o Espírito Santo. Pois a totalidade do Pai e a totalidade do Espírito Santo estão presentes essencial e perfeitamente na totalidade do Filho encarnado. Eles, eles mesmos, não se tornaram encarnados mas o Pai aprovou e o Espírito cooperou quando o Filhos Ele mesmo efetivou Sua encarnação. Na encarnação o Logos preservou Seu intelecto e Sua vida não afetada ou diminuída: exceto pelo Pai e o Espírito Ele não foi compreendido na essência por qualquer outro ser que seja, mas em Seu amor pelos homens foi unido hipostaticamente com a carne.
O Logos confere a adoção sobre nós quando Ele nos concede este nascimento e deificação que, transcendendo a natureza, vem pela graça do alto através do Espírito. A guarda e a preservação disto em Deus depende da resolução daqueles assim nascidos: da sincera aceitação da graça conferida sobre eles e, através da prática dos mandamentos, da cultivação deles da beleza a eles dada pela graça. Não obstante, pelo esvaziamento deles mesmos das paixões eles apropriam-se do divino no mesmo grau daquilo para o qual, deliberadamente esvaziando-se Ele mesmo de Sua sublime glória, o Logos de Deus verdadeiramente tornou-se homem.
O Logos fez o homem igual aos anjos. Não só Ele “fez a paz através do sangue de Sua Cruz . . . entre coisas na terra e coisas no céu” (Col 1,10), e reduziu à importância dos poderes hostis que preenchem a região intermediária entre céu e terra, portanto fazendo a combinação festiva dos poderes terrestres e celestiais em uma única reunião para sua distribuição dos dons divinos, com a humanidade juntando-se alegremente com os poderes do alto em louvor unânime da glória de Deus; mas também depois do preenchimento do propósito divino assumido em nosso favor, quando Ele foi ascendido com o corpo que havia assumido, Ele uniu céu e terra nEle mesmo, juntou o que é sensível com o que é inteligível, e revelou a criação como um único todo cujos extremos estão ligados através da virtude e através do conhecimento da primeira Causa deles. Ele mostra, eu penso, através do que Ele realizou misticamente, que o Logos une o que está separado e que a alienação do Logos divide o que está unido. Vamos aprender, então, a esforçar-se pelo Logos através da prática das virtudes, de modo que possamos ser unidos não só com os anjos através das virtudes, mas também com Deus no conhecimento espiritual através do desapego das coisas criadas.
O Logos nos permite participar na vida divina fazendo-se Ele mesmo nosso alimento, em uma maneira compreendida por Ele mesmo e por aqueles que receberam dEle uma percepção noética desta espécie. É por saborear este alimento que se tornam verdadeiramente conscientes que o Senhor é pleno de virtude (Salmo 34). Pois Ele transmuta em divindade aqueles que dele se alimentam, realizando sua deificação, posto que Ele é o pão da vida e do poder tanto em nome e realidade.
Ele restaura a natureza humana a si mesma. Primeiro, Ele se tornou homem e manteve Sua vontade desapegada e livre da rebelião contra natureza, de modo que não vacilou nada em seu próprio movimento mesmo com relação àqueles que o crucificaram; pelo contrário, escolheu a morte para benefício deles, ao invés da vida, assim demonstrando o caráter voluntário de Sua paixão, enraizada como tal em Seu amor pela humanidade. Segundo, tendo pregado na Cruz o registro de nossos pecados (Col 2,14), Ele aboliu a inimizade que leva a natureza a enfrentar uma guerra implacável contra si mesma; e tendo convocado aqueles distantes e aqueles próximos — ou seja, aqueles sob a Lei e aqueles fora — e tendo quebrado o muro obstrutivo — ou seja, tendo explicado a lei dos mandamentos em Seu ensinamento a ambas categorias de humanidade — Ele transformou o duplo em um novo homem, trazendo paz e nos reconciliando através dEle mesmo ao Pai e entre um e outro (Efe 2): nossa vontade não está mais em oposição ao princípio da natureza, mas aderimos a ele sem desviar seja em vontade ou natureza.