Máximo o Confessor — Seleção de Jean Gouillard
Da oração (euche) ininterrupta
O irmão disse: meu Pai, peço que me ensineis de que modo a oração (euche) desacostuma o espírito de todos os conceitos. O ancião respondeu: Os conceitos são conceitos de objetes. Desses objetos, uns se dirigem aos sentidos, outros ao espírito. O espírito que se demora entre eles, fica remoendo seus conceitos. Mas, a graça (kharis) da oração (euche) une o espírito a Deus; unindo-o a Deus, ela o separa de todos os conceitos. O espírito, assim nu, torna-se familiar e semelhante a Deus. Como tal, pede-lhe o que convém e seu pedido nunca é frustrado. Por isso, o Apóstolo prescreveu “orar sem interrupção”, para que, unindo assiduamente nosso espírito a Deus, nós o desacostumemos, pouco a pouco, do apego às coisas materiais.
O irmão lhe disse: como pode o espírito “orar sem interrupção”? Salmodiando, lendo, conversando, ocupando-nos em nossos ofícios, nós os desviamos em inúmeros pensamentos e considerações. O ancião respondeu: a Divina Escritura não prescreve nada de impossível. Também o Apóstolo salmodiava, lia, servia e, no entanto, orava sem interrupção. A oração (euche) ininterrupta é o manter o espírito concentrado em Deus, numa grande reverência e num grande amor; imobilizá-lo na esperança de Deus, contar com Deus em todas as nossas ações e em tudo o que nos acontece. O Apóstolo, porque a isso tudo se dispunha, orava sem descanso (Livro ascético, nn, 24 e 25, P.G. t. 90, c. 929 bd ).
Da purificação (katharsis) do coração (kardia)
Quando tiverdes valentemente triunfado sobre as paixões do corpo (soma), guerreado suficientemente contra os espíritos impuros e empurrado os seus pensamentos para fora do domínio da alma (psyche), orai então para que vos seja dado um coração (kardia) puro e que o espírito de retidão seja restaurado em vossas entranhas ( SI 51,12 ). Isto é, esvaziado dos pensamentos corrompidos, a graça (kharis) vos deixe repleto dos pensamentos divinos. E que seja o mundo espiritual de Deus, imenso e resplandecente, composto das contemplações morais ( vida ativa ), naturais ( primeiras contemplações ) e teológicas ( contemplação (theoria) de Deus ).
Quem purificar o coração (kardia), conhecerá não somente as razões dos seres inferiores a Deus; mas, olhará também, até certo ponto, para o próprio Deus, quando, tendo atravessado a sucessão de todos os seres, atingir o píncaro supremo da felicidade. Deus, manifestando-se nesse coração (kardia), dignar-se-á gravar nele suas próprias leis, pelo Espírito, como em novas tábuas mosaicas. Isso, na medida em que o coração (kardia) tiver progredido na ação (praxis) e na contemplação (theoria), conforme o propósito místico do preceito: “Crescei” ( Gn 35,11 ).
Pode-se chamar coração (kardia) puro àquele que não tem mais nenhum movimento natural para o que quer que seja, da maneira que for. Nessa tabuinha perfeitamente aplainada por uma simplicidade absoluta, Deus se manifesta e inscreve suas próprias leis.
É puro o coração (kardia) que apresenta a Deus uma memória sem espécies nem formas, disposta unicamente a receber as impressões pelas quais Deus costuma se manifestar.
O espírito de Cristo, que os santos recebem conforme a palavra: “temos o espírito do Senhor” ( 1 Cor 2,16 ), não vem a nós através da privação de nosso poder intelectual, nem como complemento de nosso intelecto (nous), nem sob forma de acessão substancial a nosso intelecto (nous). Não. Ele faz brilhar o poder de nosso intelecto (nous) em sua própria qualidade e o conduz ao mesmo ato que ele. Chamo “ter o espírito de Cristo”: pensar segundo Cristo e meditar Cristo em todas as coisas ( Capítulos teológ. e econ. 2a Centúria, nn. 79-82, P.G. t. 90, 1161 s.).