Máximo o Confessor — Centúrias de Teologia I
Lei e Escritura
89. A graça do Novo Testamento foi misteriosamente oculta pela letra do Antigo. Eis porque o Apóstolo disse que a Lei é espiritual. Logo, pela letra a Lei passa e envelhece, votada à inação. Mas pelo Espírito ela rejuvenesce, sempre ativada. Pois a graça não pode absolutamente envelhecer.
90. A Lei figura a sombra do Evangelho. E o Evangelho é a imagem dos bens a vir. Pois uma impede as agências do mal. O outro suscita as ações do bem.
91. Dizemos que toda Escritura Santa é dividida em carne e em Espírito, como se ela fosse um homem espiritual. Pois aquele que diz que o texto da Escritura é carne, e que sua inteligência é Espírito, ou alma, não falhará na verdade. E é claro que sábio aquele que, depois de ter abandonado o corruptível, se entrega de todo ao incorruptível.
92. A Lei é a carne do homem espiritual que figura a Escritura Santa. Os Profetas são os sentidos. E o Evangelho é a alma dotada de inteligência, agindo pela carne da Lei e pelos sentidos dos Profetas, e manifestando seu próprio poder por suas energias.
93. A Lei figura a sombra, e os Profetas são a imagem dos bens divinos e espirituais que porta o Evangelho. Mas é o Evangelho que nos mostrou a verdade ela mesma, presente nas coisas, anteriormente coberta de sombra pela Lei e prefigurada pelos Profetas.
94. Aquele que cumpre a Lei em sua vida e sua conduta não faz senão impedir o mal de chegar a seu termo, em sacrificando a Deus a energia das paixões irracionais. Basta assim ir para a salvação, pela infância espiritual que nele está.
95. Aquele que, pela palavra profética, está instruído para rejeitar a energia das paixões, afasta igualmente dele os assentimentos que se formam na alma. Assim, resolvido a se abster do mal no mais fraco, quero dizer a carne, não esquece de agir em abundância sobre o mal no mais forte, quero dizer a alma.
96. Aquele que abraça realmente a vida evangélica despendeu-se dele mesmo o começo e o fim do mal. Ele busca toda virtude em obra e em palavra. Ele celebra o sacrifício do louvor e da confissão. Ele se desprendeu do problema que suscita a energia das paixões. Ele está liberado do combate da inteligência contra elas. E não tem nele senão esperança dos bens a vir, que nutre a alma de um prazer do qual ela não se satisfaz jamais.
97. Àqueles que se aplicam com máximo fervor às divinas Escrituras, a palavra do Senhor aparece sob duas formas: uma, comum e pública, que muitos puderam ver, e da qual é dito: “O Vimos, e não tinha nem aparência nem bondade”; e outra, secreta e acessível a poucos, àqueles que já se tornaram como os santos apóstolos Pedro e João, diante dos quais o Senhor foi transfigurado em uma glória mais forte que os sentidos, e aí é belo diante dos filhos dos homens. Destas duas formas, a primeira é adotada pelos noviços, e a segunda corresponde àqueles que se tornaram perfeitos no conhecimento, tanto quanto possível. Uma é a imagem do primeiro evento do Senhor. É a ela que se deve reportar o que diz o Evangelho: ela purifica os ativos pelos sofrimentos. A outra é uma prefiguração do segundo e glorioso evento. É nela que se compreende o Espírito: ela transfigura os gnósticos pela sabedoria, em vistas da deificação. Pela transfiguração do Verbo neles, a face descoberta, eles contemplam como em um espelho a glória do Senhor.
98. Aquele que, pela virtude, suporta firmemente os infortúnios, tem nele mesmo em operação o primeiro evento do Verbo, que o purifica de toda mácula. Mas aquele que, pela contemplação, transportou a inteligência ao estado dos anjos, tem o poder do segundo evento, que realiza nele a impassibilidade e a incorruptibilidade.
99. Os sentidos acompanham o monge ativo que, por suas penas, conduz bem as virtudes. Mas o apagamento dos sentidos acompanha o monge gnóstico que separou da carna e do mundo a inteligência para a levar a Deus. Aquele que, pela ação, se esforça em liberar a alma da ligação que o prende naturalmente à carne, tem sua faculdade de conhecer continuamente dobrada sob as penas. Outro que, pela contemplação, se liberou dos pregos que o prendiam assim, não é mais detido por nada. Já está purificado de toda paixão e domina naturalmente aqueles que querem capturá-lo.
100. O maná dado a Israel no deserto é a palavra de Deus satisfazendo de todo prazer espiritual aqueles que dele se nutriram. E a palavra se transforma em todo alimento seguindo os diferentes desejos daqueles que a recebem, pois ela tem a qualidade de todas as nutrições espirituais. Eis porque para aqueles que, pelo Espírito, nasceram do alto de uma semente incorruptível, ela está no estado puro o leite da razão. Para aqueles que são fracos, ela é uma erva que conforta o poder fatal da alma. Enfim, àqueles que, por hábito, têm os sentidos da alma exercidos para discernir o bem e o mal, ela dá uma nutrição sólida. A palavra de Deus tem ainda outros poderes infinitos, que não têm seu lugar aqui em baixo. Quando um homem morre, e se tornou digno de ser estabelecido sobre muitos ou sobre todos os poderes da palavra, ele as receberá todos, ou alguns dentre eles, porque terá sido aqui em baixo fiel em poucas coisas. Pois tudo aquilo que tem de mais alto nos carismas divinos dados aqui em baixo é pouco e modesto em comparação aos bens a vir.