Logos

Termo grego significando palavra, razão; eão masculino superior, identificado com o Salvador; paredro de Sofia. [BNH]


«Palavra» ou «Razão (eficiente)». Segundo certas concepções gregas, mais particularmente estoicas, o Logos de Fílon aparecia como a ratio Dei graças à qual Deus exerce a sua influência no mundo. Esta influência traduz-se pela ordem divina por Ele estabelecida. [CTJ]

Peters

lógos: discurso, relato, razão, definição, faculdade racional, proporção

1. Uma das maiores dificuldades na interpretação do logos é determinar quando é que esta palavra grega comum e amorfa está a ser usada num sentido técnico e especializado. Por isso, Heráclito, no qual desempenha pela primeira vez papel de relevo, a emprega frequentemente no seu uso comum, mas também tem uma doutrina especial que se centra em volta do logos num sentido mais técnico: para ele o logos é um princípio subjacente e organizador do universo, relacionado com o significado comum de logos como proporção (frg. 1, 50), a lei da mudança tão frequentemente associada ao pensamento de Heráclito (v. g. frgs, 60, 111). E esta harmonia que é na realidade uma tensão de opostos não deve ser entendida no sentido de um retorno cíclico, mas sim como um estado estável (frgs. 10, 50). Este princípio do logos, embora seja oculto e perceptível apenas para a inteligência (frgs. 54, 114; ver noesis 1), é ainda material, como se pode ver pela identificação do logos heraclítico com o fogo cósmico (confrontar frgs. 41, 64; ver pyr), e a sua descrição do processo de pensar (Diels, frg. 22A16; ver noesis); sobre a teoria da tensão, ver tonos.

2. Platão também usou o termo logos de vários modos, incluindo a oposição entre mythos e logos (ver mythos), onde significa um relato verdadeiro e analítico. Isto é uma acepção comum, mas conduz a uma teoria epistemológica. No Fédon 76b Platão salienta como característica do verdadeiro conhecimento (episteme) a capacidade de fazer um relato (logos) daquilo que se sabe. No Teeteto 201c-d este aspecto do logos está incorporado na definição de episteme: opinião verdadeira (doxa) acompanhada de um relato. Sócrates discute o que significava logos neste contexto (ibid. 206c-210b), e da sua análise emerge uma descrição do logos como a afirmação de uma característica distintiva de uma coisa (ibid. 208c). A vitalidade deste é negada com fundamento no fato de não ter valor no caso dos seres sensíveis individuais (confrontar Aristóteles, Metafísica 1039b).

3. Mas quando esta concepção do logos sobe na escala platônica do ser tem obviamente um papel a desempenhar; na Republica 534b Platão descreve o dialético (ver dialektike) como aquele que pode fazer um relato (logos) do verdadeiro ser (ou essência, ousia) de alguma coisa, i. é, o termo do processo da divisão (diairesis) descrito no Sofista, a definição (ver horos) aristotélica por gêneros e espécies; na verdade, Aristóteles usa frequentemente logos como sinônimo de horos, horismos. Outro uso típico aristotélico é o logos como razão, racionalidade, particularmente num contexto ético, v. g., Pol. 1332a, Ethica Nichomacos V, 1134a, e frequentemente na combinação «razão certa» (orthos logos, a recta ratio estóica), Ethica Nichomacos II, 1103b; VI, 1144b. Também entende o logos como proporção matemática, ratio (Metafísica 991b), uso que remonta provavelmente aos pitagóricos, se bem que não esteja claramente expresso nos seus fragmentos (ver apeiron, peras, harmonia; para a aplicação do logos como proporção ao problema das misturas, ver holon; para a sensação e o órgão dos sentidos, aisthesis; e, em geral, meson).

4. O ponto de partida estoico sobre o logos é a doutrina heraclítica de uma fórmula de organização totalmente universal, que os estoicos consideraram divina (ver namos). O logos é a força activa (poioun) no universo (D. L. VII, 134), criadora à maneira do esperma (SVF I, 87; D. L. VII, 135; ver logoi spermatikoi). Tal como em Heráclito é material e identificado com o fogo (ver pyr), Cícero, Acad. post. I, 11, 39; SVF II, 1027. É também idêntico à natureza (physis) e a Zeus (ver Cleantes, Hino a Zeus; SVF I, 537). Esta presença que enforma o universo desenvolve-se em várias direções: visto que é uma unidade serve de fundamento à teoria da simpatia cósmica (ver sympatheia) e da lei natural bem como ao imperativo ético «viver de acordo com a natureza» (ver nomos). A teoria linguística estóica distinguiu ainda o logos interior (= pensamento) e o logos exterior (= discurso) (SVF II, 135; Sexto Empírico, Adv. Math. VII, 275; ver onoma), distinção que nitidamente influenciou a visão do logos notoriamente difícil de Fílon.

5. Fílon conheceu a distinção entre o logos interior e o exterior, conseguiu aplicá-la à maneira ortodoxa estóica (De vita Mos. II, 137), e foi talvez esta distinção, juntamente com a tradição escrituraria judaica acerca da «Palavra de Deus», que o levou ao novo tratamento do logos. No primeiro caso o logos é a razão Divina que abarca o complexo arquetípico dos eide que servirão de modelos da criação (De opif. 5, 20). Depois, este logos que é espírito de Deus é exteriorizado na forma do kosmos noetos, o universo apreensível só para a inteligência (ibid. 7, 29). É transcendente (Leg. all. III, 175-177) e é Deus, embora não o Deus (De somn. I, 227-229), mas antes o «Filho mais velho de Deus» (Quod Deus 6, 31). Com a criação do mundo visível (kosmos aisthetos) o logos começa a desempenhar um papel imanente como a «marca» da criação (De fuga 2, 12), o «elo do universo» estoico (De plant. 2, 8-9) e heimarmene (De mut. 23, 135). Fílon difere dos estoicos ao negar que este logos imanente é Deus (De migre. Abr. 32, 179-181); para o papel providencial do logos de Fílon, ver pronoia. Fílon dá ao seu logos um papei distinto na criação: é a causa instrumental (De cher. 35, 126-127); é também uma luz arquetípica (ibid. 28, 97), reaparecendo esta última imagem em Plotino, Eneadas III, 2, 16. Mas há uma diferença entre os dois pensadores; o que em Fílon era tanto o logos como o nous é dividido em Plotino que usa o conceito de logos de um modo afim aos logoi spermatikoi estoicos; ver Eneadas III, 2, 16 onde o nous e o logos são diferenciados. (FEPeters)

De Vries

Logos significa (1) discurso, palavra (verbo), palavra dotada de sentido. O nome transfere-se em seguida (2) ao próprio sentido, ao conceito, ao conteúdo do pensamento, ao “verbo interior”, que tem sua expressão no verbo exterior, na palavra externa. De modo particular, denomina-se o logos (3) o conteúdo que dá a razão de alguma coisa. Por vezes, denomina-se também logos (4) a esfera integral dos pensamentos, das ideias, do espírito, em oposição à esfera do ente material ou cia vida orgânica, corporal, ao bios, ou para a distinguir da esfera das ações morais, do ethos; nesta acepção, o termo “logos” é empregado, quando, p. ex., se fala da “primazia do logos”. — Tudo quanto pertence a este domínio do pensamento pode denominar-se lógico em sentido lato. Contudo, as mais das vezes, o termo é empregado em sentido estrito, para designar as relações puramente mentais dos conteúdos do pensamento entre si, relações exclusivamente oriundas de nossa maneira abstrata de pensar e que, por tal motivo, não se encontram na esfera dos existentes, mas são meros entes de razão, p. ex., a identidade entre o sujeito e o predicado; o lógico, tomado neste sentido, constitui o objeto da lógica. O próprio pensamento denomina-se lógico, quando guarda as leis estabelecidas pelas citadas relações dos conteúdos do pensamento; no caso contrário, é ilógico. Pelo contrário, o qualificativo alógico usa-se com o significado de alheio ao pensamento, à mente; assim, são alógicos os sentimentos e tendências, enquanto se subtraem à direção da inteligência (irracional).

Logos (5) designa também a ideia ínsita, por assim dizer, na realidade, e até no mundo corpóreo, ou seja, a configuração e forma das coisas determinada pelas ideias, a estrutura plenamente significativa que lhe é imanente. Devido a esta estrutura e ordem, providas de sentido, o mundo físico converte-se em cosmos, em oposição a um caos absurdo. O termo “logos” adquire este sentido, quando falamos da “estrutura lógica da realidade” (verdade). — O mundo das ideias não tem existência em si mesmo, mas só num ser real intelectual; de modo idêntico, a estrutura inteligível do mundo físico pressupõe um fundamento primitivo real dotado de inteligência. Este fundamento primitivo intelectual do universo, que em si contém todas as ideias, recebe, igualmente, na filosofia antiga, o nome de logos. Heráclito e os estoicos entenderam este logos (6) como uma razão universal que penetra e domina tudo (alma do mundo). Para outros, como Filon, o logos (7) era um ser intermédio entre Deus e o mundo, mediante o qual este foi criado por Deus. S. João Evangelista, no limiar de seu evangelho, contrapõe a ambas as concepções a doutrina cristã do Filho de Deus, essencialmente igual ao Pai e, não obstante, feito homem, ao qual, — aceitando com audácia inaudita a velha expressão grega — chama Logos, o único Logos verdadeiro (8). Desde S. Agostinho, a teologia católica encontra a explicação do nome de Logos, no fato de o Filho ser gerado pelo Pai pela via do conhecimento; no Filho, como Verbo ou. Palavra do Pai, expressa Este sua essência total e a plenitude de suas ideias. — De Vries.

Carreira das Neves

JOAQUIM CARREIRA DAS NEVES — ESCRITOS DE JOÃO — LOGOS

Em toda a Bíblia, “Logos” aparece apenas duas vezes com sentido personalizado, precisamente no quarto evangelho, em 1,1.14, sendo o sujeito do Prólogo (Jo 1,1-18). Os filósofos, teólogos e críticos da literatura tratam do Logos em variadíssimos aspectos. Uma vez que o termo significa “palavra”: qual é a relação entre este Logos e o Prólogo, já que o Logos é sempre o sujeito da ação, ou entre o Logos e toda a narrativa do quarto evangelho? Por outro lado, qual será a sua relação com a filosofia de Heráclito e dos estoicos ou com os mitos genesíacos da criação (cf. Gn 1,2,4a), e, ainda, com a literatura gnóstica posterior?

A nível cristão, é compreensível que quem tenha alguma instrução catequética religiosa imediatamente concilie o Logos com a pessoa de Jesus Cristo, mas a verdade é que, no Prólogo, tal conciliação só aparece, e ainda de maneira indireta, no v. 10, e nunca surge como tal nos escritos paulinos, nos Sinópticos e demais escritos do Novo Testamento. O autor implícito do prólogo do quarto evangelho transmite-nos o seu pensamento e a sua afirmando pura e simplesmente verdades teológicas sobre o Logos, mas sem nunca o definir. Para tanto, temos que começar por situá-lo na composição do quarto evangelho, e, depois, tentar compreender o sentido através da literatura teológica das escrituras hebraicas, da filosofia teológica de Filão de Alexandria, o qual, por sua vez, depende da filosofia grega do seu tempo, para concluirmos sobre a novidade cristã do Logos do quarto evangelho.
Um assunto altamente discutido entre todos os comentaristas é o da relação entre o Logos e a pessoa de Jesus Cristo, a que já aludimos. Até ao v. 10, o Logos aparece relacionado com Deus, cocriador, vida e luz dos humanos. Só nos vv. 10-11 os humanos se lhe opõem, e só no v. 14 se afirma explicitamente a incarnação do Logos. E a pessoa de Jesus Cristo só aparece nomeada no v. 17, não diretamente relacionada com o Logos, mas em oposição à pessoa de Moisés. Por tudo isto, os autores concluem que o Prólogo terá obedecido a várias redações. Provavelmente, no início, o seu autor conheceria um hino dedicado ao Logos, na linha da literatura sapiencial, muito difundida em certos sectores judaicos de influência filosófica, cujo expoente é Filão de Alexandria. Este hino terá sido cristianizado posteriormente, tendo o último redator do quarto evangelho achado bem usá-lo na introdução do seu escrito.

Evangelho de Jesus

Mais de 300 entradas no Novo Testamento, a maioria traduzida como “palavra”
No princípio era o Logos, e o Logos estava com Deus, e o Logos era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez. Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens. E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam. (Jo 1:1-5)

Padres da Igreja — nosso site francês

Orígenes

Em inúmeras passagens de sua obra, Orígenes nos descreve o Logos em sua dupla relação ao pai e aos Logikoi (criaturas espirituais), como inferior ao primeiro e superior ao segundo. (Origène, Daniélou)

Philokalia (inglês)

Na tradição cristã este termo fundamenta o prólogo do Evangelho de João e determina doravante suas interpretações. Assim sendo o Logos é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, ou o Intelecto, Sabedoria e Providência de Deus no qual e através do qual todas as coisas foram criadas. Como princípio cósmico unitário, o Logos contem em Si mesmo os múltiplos logoi (princípios interiores ou essências interiores, pensamentos de Deus) de acordo com o qual todas as coisas vieram à existência em tempos e lugares e nas formas apontadas para elas; cada coisa singular, portanto, contendo em si mesmo o princípio de seu próprio desenvolvimento. Deste modo, são estes logoi contidos primariamente no Logos e manifestos nas formas do universo criado que constituem o primeiro ou mais baixo estágio de contemplação.

Vladimir Lossky

Teologia Mística da Igreja do Oriente

El pensamiento de los padres veía en la teología propiamente dicha las enseñanzas sobre el ser divino en sí, sobre la Santísima Trinidad; mientras que las manifestaciones exteriores de Dios, la Trinidad conocida en sus relaciones con el ser creado, entraban en el terreno de la «economía». Los escritores eclesiásticos de los primeros siglos, anteriores al dogma de Nicea, mezclaban a menudo ambos planos cuando hablaban de la persona del Verbo como del Logos prophorikos que manifiesta la divinidad del Padre. Si algunas veces llaman al Logos «fuerza», «poder» (dynamis) del Padre o bien su «operación» (energeia), es en ese orden de ideas, en el sentido de la economía divina. Atenágoras lo llamaba «idea y energía» divina que se manifiesta en la creación. El texto de san Pablo (Rom 1,20) sobre lo invisible de Dios, su poder eterno y su divinidad (he te aidios autou dynamis kai theiotes) hechas visibles desde la creación del mundo, sería interpretado tanto en el sentido del Logos «poder y sabiduría» manifestadora del Padre, como en el más preciso de «energías», operaciones comunes de la Santísima Trinidad que se manifiestan en las criaturás, «lo que puede ser conocido de Dios» (to gnoston tou theou), según el mismo texto de san Pablo (ibidem, 19). En este sentido habla san Basilio de la función manifestadora de las energías, oponiéndolas a la esencia incognoscible: «Aunque afirmamos — dice — que conocemos a nuestro Dios en sus energías, poco prometemos acercarnos a él en su propia esencia. Porque si bien sus energías descienden hasta nosotros, su esencia permanece inaccesible». En la creación, la Trinidad consubstancial se da a conocer por sus energías naturales.