Philokalia
Segundo Nicodemos o Hagiorita Isaías o Solitário ou o Anacoreta viveu no século IV no Egito, onde manteve relações com os padres do Deserto, sendo contemporâneo do Abade Macário, o Grande. Cercado de inúmeros discípulos, foi viver na Palestina em mosteiro perto de Gaza. Existe, no entanto, alguma incerteza sobre a identidade deste autor. A maioria dos historiadores consideram que teria vivido em uma data mais recente, neste caso seria o monge Isaías, que inicialmente viveu em Sketis no Egito, mudando-se para Palestina por volta de 431, e morrendo recluso próximo à Gaza em 491. Qualquer que seja sua verdadeira identidade, Isaías reflete a espiritualidade autêntica dos Padres do Deserto do Egito e Palestina durante os séculos IV e V. Nicodemos o Hagiorita enfatiza em particular seus conselhos sobre o rechaço das provocações demoníacas e sobre a necessidade de estar atento à consciência.
A Philokalia selecionou um tratado sobre a guarda da inteligência, demonstrando como rejeitar as sugestões dos pensamentos, mantendo a consciência, meditando secretamente e sustentando uma impassibilidade, com conhecimento de causa sobre as três partes da alma: logistikon, epithymetikon, thymikon.
Sua obra parece responder à questão permanente dos monges: como encontrar e guardar a hesychia, a bem-aventurada quietude tão indispensável na disciplina espiritual. Insiste muito sobre as disposições interiores: fazer tudo “com ciência” (consciência), discernimento. A humildade, virtude primeira e fundamental é muito citada, inclusive por seus efeitos como a não estima de si e o rompimento com a vontade própria.
Jacques Touraille
De todos os Isaías nas fontes monásticas egípcias dos século IV-V, o mais célebre é o autor de tratados ascéticos que foram muito disseminados no oriente cristão. Infelizmente, não se encontra nestes tratados informações autobiográficas. Sabe-se somente que o abade Isaías começou sua vida monástica no Egito, em Sceta provavelmente, onde estava em relação com vários personagens mencionados nas Sentenças dos Padres do Deserto: João, Anoub, Poemen, Pafnúcio, Amoun, Pdero, Lote, Agathon, Abraão, Sisoes, etc.. Talvez fosse discípulo de Ammoes e de Aquilas? Ao se tornar um ancião, cercou-se de numerosos discípulos, entre os quais se destaca um denominado Pedro que recolheu com cuidado seus ensinamentos para transmiti-los a seus próprios discípulos. Do Egito, onde se encontrava ainda em 431, Isaías veio a viver na Palestina e morreu recluso em um mosteiro próximo a Gaza, em 11 de agosto de 491, sem ter aderido ao concílio de Calcedônia. Esta é pelo menos a tese proposta por G. Krüger e comumente admitida hoje em dia, apesar de objeções formuladas por R. Draguet.
A obra escrita de Isaías se apresenta em seções ou capítulos intitulados logoi, cujo número e a ordem variam muito nos manuscritos e edições. O conteúdo de cada logos difere frequentemente também de um recolho a outro. É que a maior parte dos logoi são compilações de pedaços díspares onde reconhecem-se sentenças, apoftegmas, exortações orais ou cartas dirigidas seja a um discípulo, seja a um grupo de monges. É provável que o corpus isaíano tal quanto se possui foi reunido e posto em ordem por Pedro no fim da vida de seu mestre ou após sua morte.
R. Draguet destacou na obra de Isaías numerosos copticismos, mas se algumas palavras do mestre foram pronunciadas em copta, é quase certo que o conjunto dos escritos foi redigido em grego. Em todo caso, o Asceticon copta que conhecemos foi certamente traduzido do grego, assim como o Asceticon siríaco.
Estreitamente ligada e aparentada à literatura de apoftegmas do deserto, a obra de Isaías é interessante a princípio naquilo que nos aporta um eco fiel do ensinamento dos grandes monges do Egito, com no entanto um caráter mais didático e sintético. Através das recomendações variadas do ancião, percebe-se sempre como em filigrana o motivo que as inspira e a preocupação essencial do anacoreta do deserto: como encontrar e guardar continuamente a hesíquia, a feliz quietude indispensável ao monge? Luta contra os pensamentos, leitura e meditação das Escrituras, trabalho manual e austeridades, todas as observâncias e ocupações prescritas são regradas e medidas de maneira a garantir ao solitário as condições mais favoráveis à verdadeira liberdade do coração. Isaías não desdenha descer até aos detalhes mais minuciosos da vida cotidiana, mas não teme também abordar as realidades mais profundas da vida espiritual. Ele insiste constantemente sobre as disposições interiores: tudo deve ser feito “com ciência”, quer dizer com discernimento, retidão e pureza de intenção. A humildade, virtude primeira e fundamental, é nomeada frequentemente, mas mais frequentemente designada por seus efeitos, em particular pela “não-estima” de sim e a contenção da vontade própria.
Tudo isso já estava no ensinamento dos Padres do Deserto, mas se encontra em Isaías sob uma forma original e com um acento pessoal que revelam um fiel discípulo tornado, por sua vez, mestre eminente de espiritualidade. Admira-se especialmente suas discrição e seu equilíbrio, quer seja nas relações do corporal e do espiritual ou nas exigências respectivas da solidão e da vida comunitária.
Enfim nota-se o lugar central do Cristo na ascese concebida como uma imitação fiel de Jesus em sua vida, sua paixão e sua morte. O tema da “subida à cruz”, que parece ser uma descoberta de Isaías, pois não se encontra antes dele, está ligado ao ensinamento de São Paulo sobre o batismo que nos identifica ao Cristo crucificado. Toda a ascese alcança um desprendimento das paixões que, em Isaías, nada tem de estoico, pois não é a expansão plena da vida do Espírito naquele que ama o Senhor Jesus de “um amor inteiro”.
A obra de Isaías é o fruto de uma rica meditação das Escrituras com um frequente recurso às interpretações alegóricas. Além da influência predominante dos Padres do Deserto, se notará também aquela de Evagrio, que é inegável. Isaías teve certamente uma grande radiação em todas as Igrejas do oriente. Ainda vivo, teve amigos tanto nos meios que aderiram ao concílio de Calcedônia quanto naqueles que não o haviam aceito. Para todos os cristão, permanece um mestre de autêntica espiritualidade.