Início das Dores (Mc XIII, 5-8; Mt XXIV, 4-8; Lc XXI, 8-11)
Então Jesus começou a dizer-lhes: Acautelai-vos; ninguém vos engane; muitos virão em meu nome, dizendo: Sou eu; e a muitos enganarão. Quando, porém, ouvirdes falar em guerras e rumores de guerras, não vos perturbeis; forçoso é que assim aconteça: mas ainda não é o fim. Pois se levantará nação contra nação, e reino contra reino; e haverá terremotos em diversos lugares, e haverá fomes. Isso será o princípio das dores. (Mc 13:5-8)
Respondeu-lhes Jesus: Acautelai-vos, que ninguém vos engane. Porque muitos virão em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo; a muitos enganarão. E ouvireis falar de guerras e rumores de guerras; olhai não vos perturbeis; porque forçoso é que assim aconteça; mas ainda não é o fim. Porquanto se levantará nação contra nação, e reino contra reino; e haverá fomes e terremotos em vários lugares. Mas todas essas coisas são o princípio das dores. (Mt 24:4-8)
Perguntaram-lhe então: Mestre, quando, pois, sucederão estas coisas? E que sinal haverá, quando elas estiverem para se cumprir? Respondeu então ele: Acautelai-vos; não sejais enganados; porque virão muitos em meu nome, dizendo: Sou eu; e: O tempo é chegado; não vades após eles. Quando ouvirdes de guerras e tumultos, não vos assusteis; pois é necessário que primeiro aconteçam essas coisas; mas o fim não será logo. Então lhes disse: Levantar-se-á nação contra nação, e reino contra reino; e haverá em vários lugares grandes terremotos, e pestes e fomes; haverá também coisas espantosas, e grandes sinais do céu. (Lc 21:7-11)
Roberto Pla: Evangelho de Tomé – Logion 113
O que Jesus o Vivente começa “a dizer” a seus discípulos, o programa de seu discurso, é a descrição do processo final da salvação do homem, desse árduo processo que conclui com a vinda-descobrimento do Filho do Homem (vide parousia).
O que agora diz Jesus é que este auto-descobrimento não carece de dificuldades porque significa nada menos que tomar como ponto de identificação do ser verdadeiro, não qualquer determinação do Ser, não um eu-sou aparente e circunstancial, senão, em verdade o Eu-que-se-é.
Nada há mais enganoso que o propósito de descobrir o Eu Sou verdadeiro, e Jesus porfia em prevenir a todos disso. Como é sabido, a consciência tende a identificar-se uma e outra vez com todas as determinações: com o nome, a casa, o ofício, a vestimenta, o corpo, as paixões, o dor, etc… Cada página da história do homem é um centro de identificação do eu, bem seja como ideia, ou como imagem.
Mas todos os nomes e formas não são o Eu, o Filho do Homem, senão só os nomes e formas que o Eu vê e conhece. Tudo isso são como rajadas de vento que passam sobre o Eu verdadeiro sem alterar-lhe, sem que jamais alcancem a conhecer-lhe , porque no caminhar do homem o Filho do Homem, o Eu verdadeiro, é sempre o conhecedor, jamais o conhecido (vide Eu Sou).
As guerras que o texto menciona são guerras internas da alma (vide Guerras).
O que diz Jesus é que estas guerras da alma — da alma consigo mesma — são necessárias; mas elas não acabam com o Adversário, embora em ocasiões possa imaginar a alma que a luta chegou a seu fim. Em tal caso é possível sentir a turbação, o estremecimento próprio da alma que pressente que o amado “meteu a mão pela fresta da porta” (Cântico 5,4).
- A interpretação pejorativa que costuma atribuir a exegese ao fim (telos) os leva a buscar para o verbo gr. throeo a acepção de “alarmar-se”, quando o sentido positivo do texto é exaltação, entusiasmo, turbação, que logo não resulta justificável.
Mas tal como o adverte Jesus o Vivente: “ainda não é o fim”, Isto mesmo é o que comprova a noiva mística: “Abri a meu amado, mas meu amado se havia ido, passo ao largo” (Cântico 5,6).
As duas nações que “se levantarão”, que se levantam sempre na alma enquanto o homem se ergue em busca da luz do conhecimento, vêm descritas no Gênesis a título de alegoria geral válida para toda a história da dilatada geração humana (vide Nações). A inclusão desta alegoria no relato parabólico da Vinda é o “recurso” ao AT, habitual no método dos evangelistas.
No que diz respeito a isso de levantar-se “reino contra reino”, é muito fácil de explicar porque aqui os evangelistas não usarão mais “figura” que aquela que empregarão em todo o evangelho. Em verdade, não há mais que dois reinos, o de Deus chamado por Mateus “dos céus”, e o de Satanás, o Adversário, consignado como reino naquela perícope da calúnia dos escribas, a qual Jesus respondeu “em parábola”: “Como pode Satanás expulsar a Satanás? Se um reino está dividido contra si mesmo, esse reino não pode subsistir” (Mc 3, 23-24).
Os terremotos que anuncia o texto não são ainda o que relata Mateus e que se produziu quando Jesus, seu corpo passível, teria morrido: “Tremeu a terra e as rochas se fenderam” (Mt 27,51). Tampouco é a total ausência de luz sobre a terra, nem o rasgar do véu do Santuário, porque todas estas coisas ocorrem no dia, e do que agora fala o texto é da noite da alma.
O que agora se prevê é o “começo das dores de parto”, as primeiras destruições, que se operam no homem hílico, — o corpo passível, a terra — quando começa a irromper na consciência a luz do conhecimento. Isto não é o fim (telos), a revelação do filho de Deus, mas sim são os primeiros tremores e o princípio da destruição de tudo o que se opõe ao “parto”, à percepção da luz.
Quanto à “fome”, companheira inseparável da “sede” na necessidade de alcançar a justiça, é o primeiro sintoma importante no homem de que vai a ser saciado de pão e água de vida eterna, como primícia da bem-aventurança.
Estas são as primeiras dores de parto. O apóstolo descobre, sem dúvida, estas dores na vida toda, pois tudo o que vive busca elevar-se à luz e sofre por alcançá-la. Por isso diz: “Sabemos que a criação inteira geme até o presente e sofre dores de parto” (Rm 8,22).
Por sua parte, o profeta Miqueias se limita a dizer à alma: “Retorce-te e grita filha de Sião, como mulher em parto” (Mq 4,10).