HAGNEIA — CASTIDADE, PUREZA


EVANGELHO DE JESUS:
hagnos = puro, casto: 2Co 7:11; 2Co 11:2; 1Ti 5:22; 1João 3:3


Noção que se perdeu na total materialização da sociedade moderna e na interpretação literal de tudo que tem origem nas tradições, implicando em controvérsias sem fim sobre sua possível adoção, dado o sentido literal que se fixou com o tempo. É fato que a castidade interior implica exteriormente em atos castos, mas o inverso nunca é garantido, como afirma Frithjof Schuon. Por onde começar? Segundo os Padres pela busca do sentido maior da castidade, e de sua apropriação segundo um avanço progressivo do combate às paixões.


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Orígenes: A QUESTÃO DA CASTIDADE EM ORÍGENES, SEGUNDO PETER BROWN


Ascetismo
QUARESMA
A continência não é só de conselho, é de estrita obrigação durante a Quaresma. Realmente é já de pôr em realce a insistência do conselho em todos os sermões (205, 2; 206, 3; 207, 2; 208, 1; 209, 3; 210, 9; 211, 6). Revela-nos um passo do De fide et operibus o caráter obrigatório dela para os competentes: só se admitirão ao batismo os que estiverem resolvidos a guardar a continência paucis ipsis solemnibus diebus nesses poucos dias solenes). Se enquadrarmos este texto na argumentação geral do tratado, podemos concluir que a obrigação existia em primeiro lugar para os fiéis. Tornemos aos sermões.

Deve dar coragem o exemplo de pessoas consagradas à castidade para toda a vida. Na verdade, guardar a continência tota paschali solemnitate (durante toda a solenidade pascal) não é nem muita nem grande dificuldade (puto non esse magnum; S 210, 9), pois se a abstinência de comida e de bebida não pode ser total tantos dias pode sê-lo a abstinência de relações conjugais. É ganho de tempo para a oração (ut orationi vacent; ibid.), como dizia S. Paulo, como o que se poupa no jejum se deve dar em esmolas.


Abade Stephane

São Isaque o Sírio chama o Anjo da Guarda de “anjo da castidade”, aquele que faz penetrar a castidade na estrutura mesma do ser humano e lhe dá sua norma ontológica, vigiada e guardada por seu anjo. Os poderes celestes exprimem o lado espiritual, angélico do humano.

Vê-se de pronto que a questão do Anjo da Guarda está estreitamente ligada àquela da castidade, esta sendo vista ao nível do estado angélico, e mesmo ao nível do Ser puro. Compreende-se desde então as dificuldades, as antinomias, e os problemas insolúveis postos pela castidade quando vista somente de um ponto de vista moralista, quer dizer ao nível do psíquico e do corporal. Dito de outro modo, é o esquecimento ou a ignorância dos princípios que é a causa profunda de todos nossos males, e isso em todos os domínios. Da mesma maneira que a caridade é ilusória fora do “amor de Deus”, a castidade o é também se ela não é observada “propter regnum coelorum”, e pretender resolver os problemas postos por estas duas virtudes permanecendo no plano mesmo onde eles aparecem, quer dizer sobre o plano humano, é um engodo.

A distinção dos “três mundos” (corporal ou grosseiro, anímico ou sutil, informal ou angélico), aos quais correspondem no ser humano o corpo, a alma e o espírito, é a base essencial de toda cosmologia e de toda antropologia. No topo desta hierarquia, se situa o Ser puro, a Causa Primeira, Deus, e nos encontramos então ao nível da ontologia. Quanto à teologia, ela penetra — graças à Revelação — na estrutura íntima da Essência divina (a Trindade) e na realização efetiva do “Reino de Deus”.

É portanto essencial não limitar o ser humano a suas modalidades formais (corpo e alma) e de considerar nele o elemento informal (o espírito) que permite afirmar que ele é da “raça dos anjos”. Importa igualmente sublinhar que estes estados hierarquicamente superpostos (corporal, anímico, angélico) estão subordinados uns aos outros na ordem indicada, o conjunto estando evidentemente subordinado ao Ser puro, o que corresponde na ordem cósmica ao “encadeamento causal” indo dos efeitos os mais baixos à Causa Primeira por intermédio das “causas segundas”. Se no estado individual (corpo e alma) não tomamos consciência imediatamente de nossa dependência a respeito dos “estados angélicos”, e também a respeito da Causa Primeira, podemos assim mesmo nos dar conta da dependência corporal em relação ao psíquico. É assim, por exemplo, que o pecado está na alma, cujo corpo nada mais é que o executante, o que é particularmente verdadeiro no caso da luxuria, contrária à castidade, e do egoismo, contrário à caridade. Mas a cura não pode vir senão do mais alto: um ascetismo puramente “moral” é inoperante.

Aplicando o que precede ao caso que nos interessa, pode-se dizer que a castidade corporal está subordinada à castidade psíquica, ligada ela mesma à castidade angélica, e o conjunto depende da castidade ontológica.