EVANGELHO DE TOMÉ — Logion 73<=LOGION 74=>Logion 75
Ele disse: Senhor: há muitos ao redor dos poços mas não há ninguém nos poços. (Roberto Pla) EVANGELHO DE JESUS
Roberto Pla Cada homem “completo” é como um poço cujas águas vivas são os elementos inesgotáveis que conformam a alma, que fluem incessantes e regam o viver do homem. Se tais conteúdos são conscientes, se chamam alma (psyche), e se são inconscientes, vida (psyche também); mas em ambos os casos é a água figura testamentária da alma, e o poço é o lugar que a circunscreve e a alberga. No Cântico dos Cânticos, o noivo místico (o espírito), diz a noiva (a alma): Fonte dos hortos, poço de águas vivas! (Can 4,15)
Se diz que as águas do poço são vivas, porque o viver da alma — água vivificada — está feito da vida que em préstimo lhe dá o Espírito de Deus, o qual é o único vivente verdadeiro, o Vivente por si mesmo. Assim é como os mananciais insondáveis do Vivente vivificam as águas de todos e cada um dos poços, como um caudal torrencial que neles penetra e neles mora. A isso se refere Jesus no logion quando se lamenta de que ninguém está nos poços, em unidade com o Vivente, mas sim ao redor dos poços.
O verdadeiro sentido deste “dito” de Jesus é muito difícil de “realizar”, pois sua compreensão, que necessariamente há de ser “direta”, vivida, não depende por inteiro do entendimento, senão que chega como um “dom” que por si só abre à fé as portas da alma. Talvez por isso, e também porque tal como diz o logion não há ninguém nos poços, não se dirige Jesus aos que o escutam, senão ao Pai, ao Senhor, ao que pede que mantenha os fluxos de suas águas vivas para os poços para que estes, as almas, descubram seu próprio ser real nos poços e não se percam em busca estéril fora de si mesmas.
Jesus fala do poço como figura da psyche, a mesma que emprega a tradição do AT, em uso paralelo no Gênesis de água como alma.
A versão mais esclarecedora desta “figura”, a oferece aquele poço no deserto, onde Agar, a escrava descobre por sua própria imagem nas águas, as primeiras perguntas que interrogam sobre o Ser: "de onde vens e a a onde vais?" (Gn 16, 7-14). (vide Poço)
Na hermenêutica praticada para a exposição do kerygma cristão, a alegoria do poço desenvolvida pela tradição veterotestamentária experimentou um deslocamento, que a fez menos mistérica, e em consequência, resultou mais acessível a captação de seu sentido genuíno. No NT, o fundo insondável do poço, o Eu Sou, é sem reservas, o Cristo oculto, interior, morador espiritual em todo homem.
Assim o explicita o quarto evangelho no capítulo no qual se relata o solitário encontro de Jesus com uma alma samaritana (Diálogo com a Samaritana). O centro geográfico que serve a esta cena é um suposto poço de Jacó não mencionado no Gênesis.