EVANGELHO DE TOMÉ — Logion 101<=LOGION 102=>Logion 103
Jesus disse: Ai daqueles, os fariseus, pois se parecem a um cachorro que está deitado sobre o presépio dos bois! Nem come, nem deixa comer aos bois. (Roberto Pla) EVANGELHO DE JESUS: FARISEUS
Roberto Pla
Segundo a Boa Nova há duas classes de alimento: o alimento perecível que não preserva da morte ao que come, e o alimento que permanece e faz permanecer para a Vida eterna, feito com trigo dos céus, e que só o dá o Filho do homem.
Deste alimento que traz a transformação da consciência em espírito, e pela qual é possível passar da morte à Vida, fala agora Jesus o Vivente.
O presépio é figura do caixote onde o Espírito, em função do selo de Deus, deposita seu unguento para que a alma alcance sua consumação, que consiste em ser essência de si mesma. O unguento que proporciona o Espírito é o alimento que não morre nem admite a morte, a presença que cada um há de descobrir, pois é a unção da que há que alimentar-se.
Mas a presença deve ser sustentada no entendimento com ordem paciente e estável, até que ela, que só conhece quando é conhecida, abandone sua primeira condição de presença mal conhecida como em uma espelho que reflete a Glória do Senhor, para vir a se a Glória assentada na consciência que a conhece.
Como diz Jesus no quarto evangelho, estas são as obras de Deus que se há de trabalhar: a primeira obra é crer nessa presença que é um “enviado” que anuncia o Pai. “Crer” é o sinal, posto que é a obra; o pão do céu, que não é o que deu Moisés no deserto, senão o que dá o Pai.
Por isso diz Jesus, o Cristo manifesto e oculto: “Eu sou o pão da Vida”, pois ele é Cristo imanente e transcendente do “homem em Cristo”, o que difunde o maná que vem do céu. Para dar este pão como alimento está sempre Cristo nas dobras da presença, para fazer-se manifesto nos homens que o buscam, Jesus o explica: “Esta é a vontade de meu Pai: que todo o que veja ao Filho e nele creia, tenha vida eterna”.
O que diz Jesus é que essa presença se vê à princípio borrada, como se se a olhasse detrás de um véu; mas logo vem um longo trabalho, profundo, que há que fazer com a presença até que se descobre nela ao ungido do Senhor.
Esse é o caminho feito de bem-aventurança, do já não sentir temor ante o aguilhão da morte, da alegria pura e completa que advém cada vez que a alma recorda a presença e a levanta em si mesma, quer dizer, cada vez que a conhece e, em contrapartida, é conhecida por ela.
Da presença fala Lucas quando diz: Com ele estava o Espírito Santo (a presença), mas o havia sido revelado pelo Espírito que não saborearia a morte “antes de ter visto ao Cristo do Senhor” MENINO JESUS NO TEMPLO).
Pelo contrário, aqueles que só entendem e purificam o cálice por fora (aos que o logion e o evangelho identifica como “fariseus”), se comportam como um cachorro deitado na manjedoura. Não comem o alimento verdadeiro que a presença do Espírito os designou — a semente de Deus em si mesmos — pois essa é comida de despertos e não de adormecidos. Nem deixam que aqueles que em seu dia pudessem descobrir a presença, se alimentem dela, pois interpõem seu corpo de adormecidos.
Estes “fariseus” — pois os há de todos os séculos — negam que dentro do cálice haja outra coisa que ar; se afanam em negar a luz na qual não creem e pensam sem humildade, que a luz que não veem, é porque não existe.
Estes “fariseus” ignoram que esse sopro que não se sabe de onde vem nem a onde vai, é a presença, obscurecida à princípio mas forte depois, do Espírito do que há de nascer quando se aprende a ouvir sua voz. JEAN-YVES LELOUP