Giuseppe Faggin — Meister Eckhart e a mística medieval alemã
É natural que Lutero, em seu obstinado ódio contra a Igreja de Roma, haja encontrado, ali onde Tauler colocava em seu objetivo o motivo essencial da experiência cristã, os próprios fundamentos de seu anticatolicismo. Lutero leu Tauler pela primeira vez, por volta dos fins de 1515, na edição de Augsburgo de 1508, que era a tradução para o dialeto local da edição de Leipzig de 1498 e se entusiasmou com ele. Encontramos reflexos de sua grande admiração no Comentário sobre a epístola aos romanos (1515-1516), na carta a Lang de outubro de 1516 em que recomendava a sua leitura aos amigos ena de 14 de dezembro de 1516 a G. Spalatino, em que declarava que não conhece nem em latim nem em alemão uma teologia mais saudável nem mais pura nem mais condizente com o Evangelho, que a contida nos sermões de Tauler. Em Tauler, como, por outro lado, em todos os místicos que conheceu, Lutero acreditou encontrar uma confirmação autorizada de seu voluntarismo, da condenação das obras e da declarada hostilidade em relação à Igreja. Não é difícil demonstrar que Tauler tira o valor — de acordo com toda a corrente eckhartiana — às obras exteriores. Com efeito, mais de uma vez sustenta que “Deus não leva em conta nem sequer um pouco, as obras, por grandes ou pequenas que sejam, se não têm por objeto Deus, pois todas têm em si algo de simoníaco”; e deixa o jejum à vontade de cada um, contanto que se aprenda sobretudo a estar em paz consigo mesmo em todas as coisas; chama à pregação oral “joio e palha” em comparação com o bom trigo; e aconselha a agir sem interesse e não à custa de retribuição, pois “ainda que não houvesse nenhum prêmio, seríamos suficientemente premiados por nossa consciência pura”. Mas na realidade Tauler tirava o valor das obras exteriores somente depois de haver posto bem em evidência seu valor catártico e iniciador, assim como não necessitamos mais soletrar quando já sabemos ler corretamente. A alma não pode desvendar a Deus sua própria nudez e pureza enquanto não se tenha despojado heroicamente de sua empírica individualidade. Deus não age em uma alma qualquer, senão naquela que lhe haja preparado um fundo limpo e imaculado. Lutero nunca conheceu a necessidade de ir a Deus rejeitando seu próprio eu pessoal, senão que acreditou que a ação divina era um acontecimento natural, como um redemoinho ou uma chuva que sacode e acaricia o solo imóvel; ficou esperando o dom que viesse de cima, negando o valor dos esforços humanos, porque concebia a vida religiosa como aceitação e repouso, não como colaboração com o Divino e reconquista do Bem. Seu occamismo, impulsionando-o a diminuir a razão em favor total de uma fé cega, o compelia inexoravelmente a desprezar também tudo o que é obra humana e exaltar os impulsos do coração e os repentinos ardores da vontade; em resumo, tudo o que de mais subjetivo e de mais caprichoso se oculta na alma do indivíduo como tal. Daí seu pessimismo em relação à natureza humana integralmente corrompida, daí sua doutrina do escravo arbítrio e da justificação mediante a fé somente. De tudo isto Tauler não é seguramente o inspirador; e ainda mais, Lutero teria podido ler facilmente no f. 185 r da edição tauleriana de Basileia (1521) — que lhe havia sido remetida em 1521 a Wartburg — as seguintes palavras: “Ninguém pode ser eximido da observância dos mandamentos de Deus nem da praticada virtude. Ninguém pode unir-se a Deus no repouso sem boas obras”. A exaltação da vida moral como equilíbrio interior e como ordem racional, que encontramos em Tauler, implica, apesar do seu marcado anti-intelectualismo, na serena valorização do pensamento e das forças humanas, que já vimos na especulação eckhartiana e que aproxima mais do que se imagina, o misticismo de Tauler ao neoplatonismo cristão e humanista do Renascimento. Em nome da mesma ordem racional também a Igreja, que Lutero combate sem reservas, representa em Tauler uma profunda exigência de disciplina social externa, à qual o homem exterior deve submeter-se. Esta cumpre a mesma função pedagógica que as obras e se os místicos não falam dela quase nunca, não é porque a combatem mas porque a pressupõem como instrumento de elevação espiritual. A Igreja prepara as almas para Deus; mas quando o homem interior encontrou Deus em sua essência e na íntima união com Ele se transformou em sua divina expressão no tempo e no espaço, nenhuma potência terrena, nem sequer o próprio Papa, pode separar o que Deus uniu. Assim também em Tauler a alma humana encontra acima — e não contra — do Catolicismo, na genuína mensagem cristã, sua dignidade interior e sabe separar, sem rebeliões violentas, o essencial do instrumental, o eterno das contingentes construções da história.
Aqui Tauler renova Eckhart; mas diante de Eckhart Tauler afirma sua não desprezível originalidade na compreensão mais humana e realista da vida religiosa em suas luzes e em suas sombraste nos motivos de acentuado voluntarismo com que transforma a concepção panteísta do Mestre em um teísmo mais vivo e pessoal.