Evágrio Prática 91-100

Evágrio — Tratado da Prática
PRAXIS ou PRAKTIKÉ ou PRÁTICA
Tradução de Antonio Carneiro acompanhada de notas do tradutor.

91 É preciso também interrogar as vias dos monges que nos precederam no bem e nos regularmos baseados nelas. Pois, pode-se achar muitas coisas belas ditas ou feitas por eles; entre outras esta, que diz um deles: « um regime muito seco e regular junto à caridade conduz rapidamente o monge ao porto da impassibilidade. O mesmo libera de suas visões um irmão que estava perturbado à noite, lhe prescrevendo para isso juntar ao jejum o serviço dos doentes. Pois, não há nada como a misericórdia, dizia quando o interrogavam, para apagar as paixões deste tipo.»

92 Um dos sábios de então veio encontrar o justo Antonio e lhe diz: « Como podes se manter, oh Padre, privado que estás da consolação dos livros ? » Este lhe respondeu: « Meu livro, oh filósofo, é a natureza dos seres, e aí está quando quero ler as palavras de Deus. »

93 « O vaso de eleição » que era o ancião egípcio Macário me perguntou: « Como se faz quando provando do rancor em relação aos homens fazemos desaparecer de nossa alma a faculdade da lembrança, enquanto que provando o em relação aos demônios permanecemos indenes ? » Como estava embaraçado para lhe responder e que pedia para saber a razão: « É, disse ele, porque no primeiro caso se vai contra a natureza da parte irascível, enquanto que no segundo se utiliza dela segundo sua natureza. »

94 Ia visitar, em pleno meio-dia, o santo Padre Macário e, ardendo em sêde, pedi para beber água.« Contenta-te com a sombra, disse, pois muitos que permanecem caminhando ou navegando não tem sequer isso. » Em seguida, como discursava diante dele sobre a abstinência: « Coragem, meu filho! disse. Durante vinte anos inteiros, não tive a contento nem pão, nem água, nem sono. Com efeito, pesava o pão que comia, media a água que bebia, e, me apoiava contra a parede, e tirava um tiquinho de sono. »

95 Fizeram saber à um monge a morte de seu pai; disse àquele que lhe anunciou: « Deixe de blasfemar, meu Pai é imortal. »

96 Um irmão perguntou à um dos anciões se lhe permitia comer com sua mãe e suas irmãs quando fosse na casa dele. Mas, ele: « Tu não comerás com uma mulher », disse.

97 Um irmão possuía somente um Evangelho; tendo vendido, deu o recebido para alimentar os famintos, proferindo esta memorável palavra: « Vendi, disse, o livro onde mesmo me dizia: “Vendes o que possuis e o recebido dê aos pobres.” »

98 Existe nos arredores de Alexandria uma ilha situada na parte setentrional do lago chamada Maria; lá habita um monge, o mais provado pelo exército de gnósticos, que declarou que tudo o que fazem os monges é feito por cinco causas: Deus, a natureza, o costume, a necessidade, os trabalhos manuais. O mesmo disse ainda que a virtude, pela natureza, é uma, mas que toma uma forma específica em cada um dos poderes da alma; « com efeito, a luz solar, sendo toda sem forma, dizia, toma naturalmente a forma das janelas pelas quais entra ».

99 Um outro ainda no meio dos monges disse: « Se retiro os prazeres, é para remover todo pretexto para a parte irascível. Sei, com efeito, que esta combate sempre em vista dos prazeres, ela perturba meu intelecto, e expulsa a ciência. » Um dos Anciões dizia que a caridade não sabe guardar reserva de víveres e de dinheiro. O mesmo dizia também: « Que eu saiba nunca fui enganado duas vezes pelo demônio sobre o mesmo assunto. »

100 Não é possível amar igualmente todos os irmãos, mas, é possível agir com impassibilidade nas relações com todos, estando isentos de rancor e ódio. Os padres, é necessário amá-los após o Senhor, eles que nos purificam pelos santos mistérios e que oram por nós. Quanto aos nossos Antigos, é preciso honrá-los como anjos: são eles, com efeito, que nos cuidam nos combates e curam as mordidas das feras selvagens.

EPÍLOGO

Eis aí o que tinha à te dizer, no momento, sobre a prática, bem-amado irmão Anatolios: é tudo o que, pela graça do Espírito Santo, achamos para recolher colhendo aqui e ali entre as uvas amadurecendo. Mas, quando o « Sol da Justiça » brilhar sobre nós no zênite e que o cacho esteja maduro, então, beberemos também seu vinho que « alegra o coração do homem », graças às orações e às intercessões do justo Gregório que me plantou e dos santos Padres que agora regam, e pelo poder do Cristo Jesus Nosso Senhor que me fez crescer, quem é a glória e a dominação, pelos séculos dos séculos. Amém.