Chouraqui Em Marcha

André Chouraqui — MATYAH

BEATITUDES
Em marcha: a primeira palavra do Sermão da Montanha constitui-se no principal obstáculo à compreensão da mensagem de Iéshoua)).1 não diz a palavra makarioi, ele pronuncia a palavra hebraica ashréi, primeira palavra dos salmos 1 e 119. Mateus, imperturbavelmente fiel às traduções do judaísmo helenístico, traduz ashréi por makarioi, segundo a equivalência imposta pelo uso da LXX. Durante mais de dois séculos, os tradutores gregos da Bíblia hebraica já liam automaticamente makarioi onde o texto hebraico diz ashréi. Fazendo isto, eram fiéis a suas tendências apologéticas e sincretistas: a filosofia grega, pensavam, não é a única a poder propor ao homem o ideal hedonista da felicidade.

Ashréi repete-se 43 vezes na Bíblia hebraica. Esta exclamação (no plural), tem como radical ashar, que não evoca uma vaga felicidade de essência hedonista, mas implica uma retidão (yashar) do homem marchando na estrada sem obstáculos que leva a ((YHWH e, aqui, em direção ao reino de YHWH. Todos os dicionários etimológicos do hebraico bíblico dão como primeiro sentido ao radical ashar o de marchar, ser feliz é um sentido secundário e tardio. A bem-aventurança não se situa no início da frase, mas em seu fim, o reino de YHWH, mesmo se este inunda de sua luz, por antecipação, todos que têm o rosto voltado para ele. O sentido fundamental de ashar é “andar” (Pr 4,14), “conduzir por uma via reta” (Pr 23,19). Em linguagem poética, ashur é o pé do homem. Ashera (Aserá) é, ainda na Bíblia, o nome da deusa cananeia da fecundação e da fertilidade, a Astarté dos gregos.

Ashréi pontua a dinâmica de Salvação introduzida na vida do homem em marcha em direção ao reino de YHWH. A profundidade hebraica da linguagem de Iéshoua fornece assim uma justificação etimológica à intuição fundamental que anima a reflexão de Tomás de Aquino em seu Tratado da Bem-Aventurança (SumaTeol., Ia-IIac, qq. 1 a 5). A participação na felicidade de Deus, em que consiste a bem-aventurança perfeita, está acima e além das capacidades do homem em sua condição terrestre. Mas se esta adeptio é a última na ordem da execução, é a primeira na ordem da intenção (q. I, a4). Ela coloca literalmente em marcha a ação do homem em sua busca da felicidade e está presente em cada passo como uma inchoatio (q. I, a6) da bem-aventurança que não será atingida antes do fim da estrada. E surpreendente que o sábio e sério Doutor se compraza aqui em jogar com números. O Tratado da Bem-Aventurança compreende cinco questões como os cinco livros do Pentateuco. Cada questão compreende oito artigos segundo o número das Bem-Aventuranças, o que faz um total de 40 artigos, como os quarenta anos da marcha dos hebreus no deserto.




  1. Makarioi (“bem-aventurado”), segundo o texto grego, orienta todos os tradutores na pista errada de supostas beatitudes adquiridas por antecipação, enquanto que elas só serão realizadas plenamente no reino de YHWH. “Felizes, bem-aventurados”, repetem todos os tradutores de todas as línguas e dialetos de todos os séculos, exemplo típico de uma interpretação que aplica em uma palavra supostamente conhecida um sentido diferente daquele que tinha originalmente. Porque Iéshoua