CASSIANO — CONFERÊNCIAS
PRIMEIRA CONFERENCIA DO ABADE MOISÉS — DA META E DO FIM DO MONGE
XXIII. A palavra do mestre segundo o mérito do ouvinte
Enquanto nos olhava, estupefactos como estávamos por tudo e inflamados de imenso ardor diante desse discurso, o ancião, não contendo o seu espanto pela força do nosso desejo, suspendeu por um momento a palavra e depois acrescentou: Vossa aplicação, ó filhos, me provocou a tão longa discussão, e eu vejo que em razão do vosso desejo, um certo fogo alimenta com pensamentos mais ardentes o nosso discurso.
Mas, por isso mesmo, a fim de que eu veja claramente que na verdade tendes sede da doutrina da perfeição, quero dissertar um pouco mais sobre a superioridade e a graça da discrição, que entre todas as virtudes tem o mais alto lugar e a primazia, e comprovar a sua excelência e utilidade, não só por exemplos cotidianos, mas também pelas sentenças e pareceres dos antigos Pais.
Lembro-me, porém, de que frequentemente, a muitos que me rogavam com lágrimas e gemidos um discurso desta natureza, não pude satisfazer-lhes a vontade, apesar do meu grande desejo de dar-lhes alguma doutrina. Faltavam me não só as ideias, mas até as palavras, e eu não achava nada para despedi-los com um pouco de consolação, ao menos. Estes indícios mostram com clareza que é segundo o mérito e o desejo dos ouvintes, que a graça de Deus inspira os que discorrem.
Mas não é possível terminar esta conferência no brevíssimo espaço que nos resta da noite. É melhor conceder um repouso ao corpo, pois, se lhe denegamos o pouco, seremos obrigados a pagar-lhe tudo. Reservemos, portanto, ao dia ou a noite de amanhã o exame integral do nosso assunto.
Convém, na verdade, a perfeitos conselheiros da discrição que eles comecem por mostrar por ela a diligência do seu espírito, e comprovar mediante tal indício e paciência, se são ou podem ser capazes dessa virtude. Ao tratarem da virtude que é a mãe da moderação, não incorram no vício do excesso, que é o seu contrario, violando por seus atos a medida e a natureza daquilo que exaltam por suas palavras.
Seja-nos, pois, este o primeiro lucro proveniente do bem da discrição, cujo exame decidimos prosseguir, com a ajuda do Senhor: ao dissertarmos sobre a sua excelência e moderação, que é o primeiro valor intrínseco que se lhe reconhece, ela própria não nos permita exceder a justa medida no tempo e na discussão.
Com estas palavras, o bem-aventurado Moisés pôs um fim a nossa conversa. Apesar de ainda ávidos e pendentes dos seus lábios, ele nos exortou a gozar de um pouco de sono, estendendo-nos nas mesmas esteiras em que estávamos sentados, e pondo sob as nossas cabeças, em lugar de travesseiros, uns trançados de nome embrimia, feitos de papiros mais grossos, reunidos em feixes longos e esguios que se ligam com um pé e meio de intervalo. Eles servem aos irmãos, ora como assentos baixinhos usados em vez de escabelo na sinaxe, ora de travesseiro para dormir, não duro em excesso, mas flexível e cômodo.
Eles são considerados como bem oportunos e apropriados a esses usos monásticos. Pois, além de até certo ponto macios e de custarem pouco trabalho e gasto, porque o papiro cresce em toda parte às margens do Nilo, são fáceis de carregar para lá e para cá, feitos de material maneável e leve.
Assim, pois, finalmente, concordamos em gozar do sono, a conselho do ancião, num descanso que muito nos custava, inflamados que estávamos tanto pela alegria da conferência terminada, como pela expectativa da exposição prometida.