Annick de Souzenelle
’Iyob
Assim como o nome do lugar de nascimento de um homem, na Bíblia, está em ressonância com a qualidade de sua terra interior, também seu prenome é ícone de seu Nome – NOME secreto, do Nome – NOME que só conhecerá em se tornando ele, segundo a vocação toda pessoal inscrita nele.
Emprego aqui a palavra “ícone” na plenitude de seu sentido: significa “imagem” enquanto esta imagem recebe as energias de seu modelo, que ela é pesada e rica, tornada assim capaz de ser reconduzida àquele que ela representa. Quer dizer que o prenome de um homem ou de uma mulher contém a informação da vocação deste e desta que o porta.
Sob esta luz, ‘Iyob–Jó, este personagem bíblico tem um destino profundamente marcado por seu prenome; nele está inscrito um apelo divino ao qual ele será livre a responder; mas se ele a isto não responde, as energias que revela se voltarão contra ele e o devorarão; enquanto, se ele a isto obedece através das mutações que elas exigem, ele alcançará a seu NOME. Ora o prenome de ‘Iyob é a raiz mesma da palavra hebraica ‘Eybah, “a inimizade” que sai dos lábios divinos quando Deus se dirige à serpente no relato da Queda.
A Bíblia é um grande todo; e o livro de Jó nos remete àquele da Gênesis. Estes dois textos são inseparáveis.
A palavra ‘Eybah, traduzido por “inimizada”, é em realidade da mesma família que aquele do “amor”, ‘Ahabah. Trata-se essencialmente do amor divino para este “outro que ELE” que é o Homem chamado a se tronar totalmente semelhante até desposar ELE!
O Homem, nos diz o livro do Gênesis, “é, no sexto dia, «criado» à imagem de Deus para ser «feito», a partir do sétimo dia, capaz de semelhança”. Estes dois verbos hebreus confundidos na tradução grega devem ser distinguidos radicalmente um do outro. «Criar» é obra divina. «Fazer» é obra divino-humana; ela é objeto mesmo de toda vida humana e particularmente aqui, esta do Jó, no encontro de duas forças adversas, para alcançar à semelhança.
A conquista da semelhança é a este preço. Este combate dela é a lei ontológica.
É o grande mistério do amor que meditamos no livro de Jó, mais que aquele do mal.
Jó é chamado a este mistério do amor.
Pois Jó é dito «perfeito».
Quem diz perfeição diz estatismo.
Na árvore que é, o Homem é chamado a fazer crescer nele o conhecimento que sabemos que é luz e não ainda luz (Árvore do Conhecimento; que é «perfeito» a um nível de conhecimento e permanece «imperfeito» nas trevasm porque ainda não revelado.
Jó não se conhece. A considerar os capítulos 29-31 e a ingênua descrição de sua grandeza, que assim justificaria a justa recompensa de sua perfeição. Apesar de sua impecabilidade moral nada ainda está completo nele!
Jó é «reto», reto quanto aos critérios morais mas também no eixo da futura ereção de sua árvore.
Jós é «temeroso a Deus». A relação de temor que se estabelece entre o Homem e Deus é consecutiva ao que denominamos a Queda.
Jó «se desvia do mal», ou do ponto de vista ontológico, «ele se desvia do incompleto», não tem seu olhar para sua «Adama», seu «’Ishah»; conhece mal sua terra, «humus» das profundezas, sem a qual ele está “só dele” e não pode fazer o caminho das bodas.
Seu estado de perfeição moral parece fadado à destruição. A palavra hebraica «perfeição», «Tom», é feita de dois radicais invertidos de «Met», a «morte», que traduzo voluntariamente por «mutação» como fiz acima, pois não há morte ontológica sem ressurreição; são os dois polos de uma mesma realidade. O homem que se desvia de Deus recusa a ressurreição e vai inexoravelmente para uma morte da qual não conhecemos o outro polo.
A perfeição, «Tom», porta em seu nome sua vocação de reviravolta para a «mutação», «Met»; as duas palavras Tom e Met, construídas das duas mesma letras, exprimem em profundidade a mesma energia.