ERNST BENZ — AS FONTES MÍSTICAS DA FILOSOFIA ROMÂNTICA ALEMÃ
INTRODUÇÃO
Em geral, a filosofia existencial alemã contemporânea se delicia em condenar a filosofia do idealismo de Fichte a Schelling tão severamente quanto os teólogos da escola dialética condenam o misticismo cristão. E isto ocorre não somente nas cadeiras universitárias e púlpitos da igreja, mas também em jornais filosóficos e teológicos, de modo que o misticismo e filosofia idealística, são temas negligenciados ou mesmo desprezados.
Esta situação não é única de nossa era: este mesmo fenômeno pode ser encontrado no começo do século XIX, quando os protagonistas da filosofia idealística alemã buscaram proclamar suas novas ideias em oposição à filosofia racionalística de seu tempo. Franz von Baader, conhecido na França graças aos trabalhos de Eugène Susini, amigo de Hegel e Schelling, professor de filosofia da religião da Universidade de Munich, grande campeão da tradição mística entre os filósofos de seu tempo, preparou em 1813, uma edição das obras de Jacob Boehme com uma introdução filosófica geral. Mas logo encontrou a oposição dos aderentes do racionalismo tradicional que ainda ocupavam cadeiras e editavam jornais naquela época.
De fato, a filosofia racionalista do século XVIII foi à guerra contra o elemento místico, revolucionário e perturbador, que acreditava ter sido removido há tempos e que falava com desprezo e desgosto. A atitude geral do criticismo filosófico e da teologia moderna, pelo menos na Alemanha, não está muito longe da convicção de colegas de Franz von Baader, mas é sempre consolador saber os riscos a se incorrer.
O fato histórico dos relacionamentos diretos entre cristandade mística, católica e protestante, e filosofia idealística alemã já era estabelecida através de pesquisas na história da filosofia do século XIX. Friedrich Theodor Vischer, um dos mais conhecidos discípulos de Hegel, especialmente na área de estética, endereçou esta questão aos contemporâneos.
Outro discípulo de Hegel, Martensen, que publicou o primeiro livro sobre a especulação religiosa de Mestre Eckhart, insistia que o “misticismo alemão é a primeira forma (Gestalt) no qual a filosofia alemã se revelou na história do pensamento”. Franz Pfeiffer, que primeiro publicou os escritos em alemão de Mestre Eckhart — por sugestão de Franz von Baader — escreveu em 1845: “Os místicos alemães sãos os patriarcas (Erzväter) da especulação alemã. Eles representam o começo de uma filosofia alemã independente. Em breve, eles incorporam os princípios sobre os quais sistemas bem conhecidos cinco séculos mais tarde se basearam, não somente em seus princípios, mas em parte em sua totalidade”.
Neste estudo, segue-se a ordem das conferências dadas no Collège de France em março de 1963. Começando com uma introdução geral sobre as diferentes fontes literárias do misticismo cristão e não-cristão nos filósofos românticos, e sobre as diferentes maneiras pelas quais estas fontes penetraram e formaram a intuição e a especulação destes pensadores.
A REDESCOBERTA DO MISTICISMO
Neste capítulo o que se propõe é um relato da revivência do misticismo alemão da Alta Idade Média, especialmente Mestre Eckhart, Johannes Tauler, Teologia Germânica e Henri Suso, seguida da revivência de Jacob Boehme e do misticismo espiritual do século XVIII; a redescoberta da teosofia nos séculos XVII e XVIII, a influência da especulação visionária de Swedenborg; os traços da tradição cabalística introduzida na Alemanha por Johannes Reuchlin, redescoberto por Oetinger e tomado por Schelling; e finalmente a descoberta do misticismo indiano, que abriu uma nova era para o pensamento idealístico alemão.
A importância de Mestre Eckhart para Franz von Baader que o apresentou a Hegel, que o considerou como a verificação e a confirmação de sua própria filosofia da mente, enquanto o próprio Baader o considerava como a inspiração mais significativa de suas próprias ideias, e o autor que o conduziu diretamente para outro mestre da especulação mística alemã, Jacob Boehme.
Baader estava convencido que estava encarregado com a missão divina de contribuir para a revivência da filosofia, pela restauração da tradição mística para a especulação filosófica.
Hegel apresentou Mestre Eckhart em sua Filosofia da Religião, como um dos raros teólogos que conseguiram exaltar a religião à esfera da ideias e da abstração.
Importância da língua alemã conforme estabelecida nos sermões de Mestre Eckhart e nos tratados de Jacob Boehme, na aproximação mais direta da da tradição cristã primordial, evitando os problemas causados pela absorção indireta desta tradição, devido a sua passagem pelo latim. O francês (como o português) segue os passos o desenvolvimento do latim como linguagem filosófica e científica. Foi assim que a Universidade de Paris fez do latim um instrumento perfeito para expressar em termos precisos e exatos todos os desenvolvimento do pensamento lógico e abstrato. Assim a terminologia se fixou próxima ao latim, por exemplo substantia traduzida diretamente por substância, conceito que difere do original grego ousia.
Na Alemanha, a situação foi completamente distinta. A linguagem filosófica e teológica, a linguagem das escolas e universidades germânicas, era o mesmo latim como na França, posto que o latim era a linguagem europeia dos teólogos e acadêmicos. Nenhuma terminologia filosófica existia fora das disputas em latim, das lições em latim, e dos livros escolásticos em latim. Ao contrário, a língua alemã da Alta Idade Média era essencialmente poética. A literatura alemã da Idade Média era a literatura do Minnesang, dos trovadores, do Heldenlied, das canções épicas tais como o Nibelungenlied, que significa que era uma linguagem de imagens, alegorias, parábolas, não uma língua de conceitos abstratos e termos filosóficos e lógicos. Não há terminologia filosófica na língua alemã, e não há traduções alemãs de tratados filosóficos e teológicos. A necessidade não se fez, e o instrumento linguístico não existia. A língua alemã da Idade Média não participou do desenvolvimento escolástico da filosofia, teologia e ciências.
Só com o misticismo alemão tomista isto mudou, com Mestre Eckhart, primeiramente professor na Universidade de Paris, depois na Universidade de Colônia; e basicamente foram as freiras dos conventos dominicanos que provocaram a grande revolução espiritual, da qual falamos, por sua ignorância do Latim.
AS FONTES MÍSTICAS DE ALGUMAS IDEIAS FUNDAMENTAIS DO IDEALISMO ALEMÃO
Exame da influência de certos conceitos bem definidos e ideias místicas na filosofia idealística; Benz busca tornar bem claro a base mística do conceito idealísticos de realidade. Há alguns conceitos fundamentais, especialmente na teologia de Mestre Eckhart, que elevam a especulação para uma visão idealística da realidade.
ESCATOLOGIA E A FILOSOFIA DA HISTÓRIA
Estudo da influência do misticismo cristão em Schelling, Hegel e Franz von Baader.
AS FONTES CABALÍSTICAS DA FILOSOFIA DA NATUREZA ROMÂNTICA
Traz à luz a presença da tradição mística, especialmente Oetinger e Cabalismo Cristão, na filosofia da natureza do idealismo alemão, particularmente em Schelling.
O LUGAR DE LOUIS-CLAUDE DE SAINT-MARTIN NA FILOSOFIA ROMÂNTICA
O pensador francês mais conhecido e traduzido na era do Romantismo alemão, tendo influenciado círculos filosóficos e teológicos de diversas confissões cristãs daquela época.