Excertos da tradução da Ir. Hildegardis Pasch e da Ir. Helena Nagem Assad
Excertos:
*GRANDE ASCÉTICA
*PEQUENA ASCÉTICA
Quanto às obras ascéticas e morais, entre as quais se encontram as Regras Mais Extensas e as Regras Menos Extensas, cuja tradução agora nos é dada em português, incluímos, além da dita tradução, a “Instituição Ascética” (PG 31, 619-625), o discurso “Sobre a renúncia ao mundo” (Ib., 626-647), o discurso “Sobre a vida ascética” (Ib., 648-652). As obras que seguem a esses no tomo 31 da Patrología Grega de Migne constituem um conjunto que chegou até nós com o nome de “Hypotypose de ascese”, isto é, “esboço ascético”. Muito se tem escrito ultimamente sobre as obras de São Basílio, de cinquenta anos para cá, digamos, e particularmente sobre as Regras Morais e as Regras Monásticas. Estudando tudo o que se tem publicado, Dom L. Lèbe, que traduziu as Regras Monásticas e Morais para o francês, debruçou-se sobre as obras basilianas e chegou à seguinte conclusão, quanto à Hypotypose: a “Hypotypose” é um “corpus” englobando uma carta, pela qual Basílio envia todo o conjunto aos amigos, o “De Judicio” e o “De Fide”, que são como dois prólogos, depois as “Morales” (regulae), as “Regulae fusius tractatae” e as “Regulae brevius tractatae”1. Estas duas últimas são chamadas também Grande Ascética e Pequena Ascética, respectivamente, por certos autores2. Por vezes é todo um conjunto, do qual a Hypotypose é apenas uma parte, que é chamada Ascética3.
Essa “Hypotypose” São Basílio enviou aos monges do Ponto mediante uma carta, para que fossem os guardiães e os propagadores da doutrina. Por modéstia talvez, São Basílio não deu o nome de Regras a seu ensinamento aos monges; foi a tradição que o deu, e com razão, porque de fa,to esse ensinamento estabelece as leis fundamentais da vida estritamente cenobítica inaugurada por ele. A forma literária em perguntas e respostas corresponde ao costume da sua exposição em reuniões familiares, em que mestre e discípulos estabeleciam um diálogo.
Com Dom Lèbe, podemos dizer que foi bem pouco tempo antes de sua morte que São Basílio redigiu as Regras Morais, acrescentou as Monásticas e assim compôs essa “Hypotypose”. A cloença o prostrava, tinha sempre a morte diante dos olhos, e seus discípulos temiam, com razão, ver desaparecer essa voz eloquente que tantas vezes lhes tinha exposto a doutrina do Evangelho. Pediram-lhe que deixasse por escrito o seu ensinamento. Ele, então, cedeu com a consciência de cumprir seu dever de Pastor; não devia senão reunir e ordenar suas próprias notas acumuladas no decorrer dos anos. Aliás, a primeira redação das suas Regras parece ter sido feita em 365, durante o ano que passou no ermo, distante de Cesareia; “o texto dessa primeira redação desapareceu infelizmente, mas cópias foram propagadas, e foi uma delas que Rufino encontrou em sua viagem pelo Oriente, trouxe-a para a Itália e traduziu para o latim para seu amigo Ursácio, superior do mosteiro de Pineto, sob o título de “Instituta monachorum sancti Basilii”. O texto grego das Regras que possuímos é portanto o fruto de uma grande experiência de vida, tendo por isso os devidos e correspondentes acréscimos, reflexo da preocupação de um grande apóstolo da fé, a saber, a harmonia e a união dos membros do Corpo Místico de Cristo, mediante o crescimento no amor fraterno.
No Prólogo São Basílio faz a defesa da vida claustral como grande meio para se viver mais perfeitamente a vontade de Deus. Trata, depois, nas Regras 1, 2 e 3, da grandeza do amor de Deus, como resposta a bondade e misericórdia de Deus que é Amor. Se o homem deve corresponder a Deus em conformidade com os talentos dele recebidos (4), há entretanto muitos caminhos para Deus: o do amor humano e o dos atrativos e preocupações deste mundo, que podem, mal utilizados, afastar o homem de Deus (5 e 8). Daí a necessidade da renúncia (8). Mas o afastamento do mundo deve realizar-se numa comunidade de irmãos unidos pela caridade fraterna (7), na qual se entra em conformidade com várias exigências (10 a 12). Em consequência, São Basílio exige um engajamento vivo e decidido na via da castidade (14 e 15). Tanto nas Regras Mais Extensas (RM) como nas Regras Menos Extensas (Rm) há uma porção de normas e detalhes sobre a renúncia em seus múltiplos aspectos, sobre a “enkrateia” (repressão das paixões da alma), sobre o vício da vontade própria, sobre o uso da medicina, a separação do mundo e da família, sobre os hóspedes, etc. Alguns temas, contudo, chamam mais a atenção, como o da autoridade e obediência, o da comunidade fraterna e Igreja, o do trabalho e o da oração. Há uma espécie de teologia da autoridade e da obediência (RM, 24 a 31, 41 e Em 96 a 125), esta entendida como linha de libertação na fé, e aquela numa linha de total doação e responsabilidade, qual a do Bom Pastor. A comunidade, à semelhança da Igreja, é entendida como um corpo, cujos membros têm uma função de serviço para com todos num espírito fraterno e filial (RM 24; Rm 147). Quanto ao trabalho e a oração, são os dois polos da vida monástica; devem harmonizar-se de tal modo que o monge reza quando trabalha, embora deva observar as sete horas tradicionais da oração comunitária do Ofício Divino; além disso, o trabalho dos monges deve ser também o das obras de misericórdia, o do ministério espiritual das almas exercido dentro do mosteiro para com os hóspedes e visitantes (RM 32, 45), para com as religiosas (RM 33), para com as pessoas do mundo (RM 36; Rm 31).
Eis aí os grandes temas dessas Regras Monásticas, úteis entretanto a todos que procuram correr no caminho da perfeição.
Durante toda a Idade Média essas Regras foram lidas na tradução de Rufino. Em 1535, as Ascéticas foram impressas pela primeira vez em grego em Veneza. Em 1720-1722, D. Garnier estabeleceu o texto da edição beneditina, refez inteiramente a tradução latina, e é essa o texto da coleção Migne (PG 31, 889-1306). Foi afastado o pequeno prólogo da primeira redação, cuja tradução latina foi feita por Rufino nas “Instituta monachorum sancti Basilii”.
Excertos da introdução de Dom Bernardo Botelho Nunes, OSB