Apotegmas

PHILOKALIA — Apotegmas dos Padres

Apophthegma é uma palavra grega que significa “dito breve”, por conseguinte se aplica a sentenças ou máximas. “Apoftegmas dos Padres” refere-se ao conjunto de sentenças breves proferidas pelos antigos padres cristãos que viviam em sua maioria no deserto, praticando oração e asceses; eram sentenças que propunham uma doutrina, uma norma de vida espiritual, ou narravam um episódio instrutivo, edificante, da vida desses ascetas; referiam assim ditos ou feitos de famosos homens de virtude. (D. Estêvão Bettencourt)


Marie Madeleine Davy
Os Padres do deserto são conhecidos por nós através dos Apotegmas dos Padres (“Sentenças dos Padres” do deserto)1. Esses textos reunidos, tão breves quanto densos, se apresentam como um livro de formação essencialmente prática. A sua finalidade é ajudar os eremitas a se libertarem das paixões e a desenvolverem seu discernimento espiritual. O discernimento apurado é muito importante para homens dedicados à solidão, privados, o mais das vezes, de guias externos e contando, em sua anacorese, somente com o espírito. Ninguém nasce eremita. A vida na solidão não poderia ser improvisada. Exigia-se dos “candidatos” que ficassem na proximidade de um “ancião”, a fim de poderem recorrer aos seus conselhos. Às vezes o jovem noviço vivia na companhia de um homem dotado de experiência e o servia, não como servo, mas somente para aliviá-lo dos cuidados externos e permitir-lhe dedicar-se com plena liberdade à solidão contemplativa. O exemplo do ancião e a sua palavra substituíam a legislação concernente aos cenobitas. Na falta de uma regra reconhecida e executada diariamente, o principiante seguia a orientação dada por seu mestre espiritual.

Fora da reunião dominical, os eremitas quase não se encontravam entre si; às vezes recebiam a visita de outros solitários. Era costume pedir aos anciãos, isto é, aos homens dotados de uma experiência totalmente independente da idade, que respondessem às questões a eles propostas e formulassem “uma palavra de salvação” que pudesse ser meditada durante meses ou até anos. Formados, os solitários podiam viver na solidão total, não mais receber visitas, a não ser raramente, para darem, por sua vez, conselhos aos principiantes. Em certos casos, não eram mais obrigados a participar das reuniões litúrgicas. Por causa disso, eles quase não praticavam a abertura do coração, que ainda é uma forma de se interessar por si mesmo. Renunciar a si… exige que não se volte mais a si mesmo, inclusive ao próprio aperfeiçoamento.


Seleção Jean Gouillard
O abade Bessarion, moribundo, disse: “O monge deve, como os kerubims e os serafins, ser apenas olho”‘.

O abade Dulaz disse: “Quando o inimigo (echthros) nos pressiona a deixar a solidão (hésychia), não lhe escutemos. Nada vale a aliança da solidão e da fome, para lutar contra ele. Ela busca uma visão penetrante aos olhos interiores”.

(Ouvido por Epifânio): “O verdadeiro monge deve ter sem cessar no coração (kardia) a oração (euche) e a salmodia”.

Evágrio disse ainda: “Corte as numerosas relações, se não queres que teu espírito (nous) divague e perturbe tua solidão (hésychia)”.

Elias disse: “Os homens têm a mente ou nas próprias faltas (hamartia), ou bem em Jesus, ou bem nos homens”.

Teonaz disse: “É porque nossa mente negligencia a consideração de Deus, que caímos no cativeiro das paixões (pathos) da carne (sarx)”.

João Colobos disse: “A prisão (jogo de palavras: o grego tem uma única palavra para “guarda” e “prisão”) é manter-se sentado em sua cela e evocar (talvez também lembrar) Deus, sem cessar. É o: “Eu estava preso e Vós me visitastes”.

Cranios disse: “Que a alma (psyche) pratique a sobriedade (nepsis), retire-se da distração e renuncie a suas vontades (thelema); então, o Espírito de Deus se aproximará dela”.

Poimém disse: “O princípio de todos os males (kakon) é a distração”.

Poimém, disse ainda: “Precisamos de uma só e única coisa: uma alma sóbria (nepsis)”.


Seleção James Cutsinger
6a. Quando o abade Sisoes estava na sua cela, fechava sempre a porta. (Sisoès, 24).

6b. Os padres cercavam o abade Sisoes no dia de sua morte. Sua face começou a resplandecer como o sol e ele disse: “Eis oa abade Antão que vem”. Em seguida: “Eis o coro dos Profetas”. Em seguida, sua face resplandeceu ainda mais e ele disse “Eis vir os coro dos Apóstolos”. Sua face brilhou em dobro; ele parecia se entreter com alguém. Os anciãos o suplicaram: “padre, com quem falas?” — “São os anjos que vêm me buscar, e eu lhes peço que me deixem fazer ainda um pouco mais de penitência”. Os anciãos lhe dizem: “Pai, não necessitas fazer penitência”. — Na verdade, respondeu ele, tenho consciência de ter feito só um princípio de penitência”. Todos então compreenderam que era perfeito. então sua face se subitamente como o sol, e todos tiveram medo. Ele clamou: “É o Senhor que vem, e disse: apostai-me este vaso de eleição do deserto”. Com estas palavras, Sisoes rendeu o espírito. Se tornou brilhante como o relâmpago e todo o lugar se encheu de um odor agradável. (Sisoès, 14).


Seleção D. Estêvão Bettencourt



  1. O melhor introdutor e tradutor dos Apophtegtnata Patrum é o P. Jean-Claude Guy. Veja em particular seu longo prefácio em “Les Apophtegmes des Pères du Désert”, Textes de spiritualité oriental, nº 1, Abbaye de Bellefontaine, 1968.