Todos os escritores associados literariamente ao platonismo estão de acordo em fazer da apatheia a meta da virtude e ver na purificação o meio de aí chegar. Apathe — apatheia — katharotes são três noções estreitamente associadas em Plotino e Gregorio de Nissa. Este é um dos pontos, aliás, de maior similitude entre seus pensamentos.

Em Filon, segundo Bréhier: “Os estoicos queriam suprimir totalmente as paixões. Filon também via na apatheia o ideal da Sabedoria. Moisés, símbolo do sábio perfeito, não para na metriopatia, mas corta nele mesmo os sentimentos violentos do coraçãothymos -; do mesmo modo é puro de todo desejo e de todo prazer” (Les idées philosophiques et religieuses de Philon d’Alexandrie). Neste caso, a apatheia é separação não da kathe kata kakian, mas do thymos e da epithymia — ou seja, uma outra perspectiva. Gregório de Nissa escreverá: “Há duas espécies de prazer, um que é sentido na alma pela apatheia, outro no corpo pelo pathos”. Ou ainda: ” O pathos nos seres incorpóreos é apathes”. Esta ideia de um prazer de apatheia seria ininteligível na perspectiva estoica.

Os textos de Plotino confirmam esta impressão: “Em que sentido dizemos que as virtudes são purificações? Não é porque a alma é má enquanto misturada ao corpo e possui a virtude se age inteiramente só… A alma assim disposta pensa o inteligível e ela está também sem paixão — apathes -…”. “Em se separando do corpo, a alma se recolhe nela mesma, ela é absolutamente impassível — apathes — (Enéadas I,2,5). Este texto como tantos outros de Plotino demonstram que para ele a apatheia é o afastamento do espírito do contato com o corpo, se assemelhando à hesychia ou recolhimento, que para Gregório é apenas um aspecto negativo (que denomina aparaxia) da apatheia verdadeira. A cessação do tumulto só tem sentido para permitir o desenvolvimento da vida da graça.

Philokalia (em francês): A ausência de paixões, mas sempre após uma vitória das virtudes ativas, que só a hesíquia permite.

Philokalia (em inglês)

Sem paixão: entre os autores da Philokalia alguns veem a paixão como um mal e como consequência do pecado, e para eles apatheia significa sem paixão, desenraizamento das paixões; outros como Isaías o solitário, veem as paixões como fundamentalmente boas; este estado de apatheia significaria, portanto, o exercício correto das paixões, de acordo com sua pureza original, sem cometer um pecado por ato ou pensamento. A apatheia é um estado de reintegração e de liberdade espiritual; Cassiano ao traduzir o termo para o latim, usou a expressão “pureza de coração”. Um estado que implica em imparcialidade e não-identificação, mas não indiferença. Não se deixa de sofrer os ataques dos demônios, mas não se cede mais a estes ataques; sendo assim é um estado positivo, afirmativo e não negativo ou passivo: Evagrio o associa à qualidade de amor cristão tornando-o um dom de Deus.

Pequena Philokalia

Impassível: apático. Evagrio a define como: “Um estado pacífico da alma razoável que resulta da humildade e da temperança”. Os antídotos respectivos das paixões da cólera e da concupiscência.


Hausherr

On distingue une double apatheia. L’une est le fruit de l’ascèse, du jeûne, de la mortification des sens; elle éteint les passions et rétablit dans les mouvements de l’âme l’ordre de la nature. La seconde commence seulement avec le début de la contemplation. Elle se manifeste par des effets merveilleux : la paix parfaite des pensées, la vue pénétrante et même prophétique des choses divines et humaines, les révélations. Pour la clarté du vocabulaire, Nicétas, nous semble-t-il, eût peut-être mieux fait de ne pas donner le nom d’apatheia, qui est de soi purement négatif, à ce second état d’âme. Mais il a ses raisons pour le faire: c’est que seule cette seconde apatheia libère entièrement non seulement de soi, mais du monde, de ce qui s’appelle d’un terme assez étrange, mais fréquent, la pankosmios aisthesis, le sentiment du créé sous toutes ses formes; grâce à elle seulement, les sens se transforment complètement, et « libre de toute servitude, on s’élève rapidement à Dieu…, on devient un ange dans un corps matériel, on vit avec les hommes comme un être immatériel ». « C’est le même Esprit qui produit l’une et l’autre apatheia, mais dans l’une il réprime et contient, dans l’autre il lâche la bride ». L’une est ascèse, travail, sueur, peine; l’autre est quiétude, repos, détente, liberté.

L’ascèse, le moyen d’arriver à la première apatheia, ne présente pas chez Nicétas de caractères bien particuliers. En ce point surtout, sa doctrine dérive directement de saint Maxime. En voici un résumé rapide.

Elle part d’un concept de la nature, commun aux Orientaux, et bien différent de celui des Occidentaux inspirés de saint Augustin. La nature est bonne, puisqu’elle est l’œuvre de Dieu. L’ascèse n’a pas à travailler contre elle, mais pour elle. Le bien est kata physin, le mal kara physin. Tout l’effort de l’ascèse consiste donc à revenir à la vraie nature, celle du paradis. C’est tout le sujet du noetos paradeisos de Nicétas. « Tu mangeras de tout arbre du paradis », dit Dieu, au singulier, parce que cela s’adresse à la partie rationnelle de l’âme. Au contraire, il dit au pluriel, comme s’adressant aux sens multiples : « Vous ne mangera pas de l’arbre de la science du bien et du mal ». On en conclut que pour revenir à la nature, il faut mortifier les sens et exercer l’esprit aux pensées divines. « Tant que l’homme s’occupait de ces plantes immortelles, je veux dire les pensées divines, qu’il se livrait aux contemplations des êtres et se nourrissait d’une nourriture intellectuelle, il était déifié ». Mais il préféra manger de l’arbre défendu, c’est-à-dire suivre les sens, et il tomba dans la multiplicité des impressions et des passions sensibles (noetos paradeisos). D’où la nécessité de mortifier non pas la nature, mais les passions, pour libérer la nature.

Evagrio

Praktikos

A apatheia é a flor da prática, e o que concerne à prática é a guarda dos mandamentos de Deus.

O nous engajado na guerra das paixões (…) se assemelha àquele que bate na noite.

A apatheia é um dom de Deus.

Vladimir Lossky

Teologia Mística da Igreja do Oriente

La contemplación de esa perfección absoluta, de esa plenitud divina que es la Trinidad — Dios personal y que no es una persona encerrada en sí — el pensamiento mismo, mera «sombra pálida de la Trinidad», eleva el alma humana por encima del ser cambiante y confuso, confiriéndole esa estabilidad en medio de las pasiones, esa serenidad — la apatheia — que es el comienzo de la deificación. Porque la criatura, cambiante por naturaleza, debe alcanzar por la gracia el estado de eterna estabilidad, participar de la vida infinita en la luz de la Trinidad. Por eso la Iglesia defendió con vehemencia el misterio de la Santísima Trinidad contra las tendencias naturales de la razón humana que se esforzaban por suprimirlo reduciendo la Trinidad a la unidad, haciendo de Ella una esencia de los filósofos, con tres modos de manifestación (el modalismo de Sabelio), o bien dividiéndola en tres seres distintos como lo hizo Arrio.

Jean-Yves Leloup

Um estado não patológico do ser humano que se traduz por um estado de espontaneidade, de inocência, de simplicidade (simplicitas, etimologicamente “sem plicado”, ou seja, “sem dobras sobre si-mesmo”); um estado de clareza da inteligência que “vê” as coisas tais quais elas são, sem projetar memórias, ideias, ideologias; uma consciência-espelho límpida, calma e saudável; um estado de pureza do coração, capaz de amar quaisquer que sejam as circunstâncias; um estado de luminosidade e de leveza do corpo físico, transparente às energias divinas.


Schürmann

Em vez das descrições plotinianas do êxtase, o ensino de Eckhart sobre o desapego pode, portanto, parecer aproximar-se da doutrina estoica da apatia. — De um lado e de outro, de fato, falamos de serenidade, e de um lado e de outro o apego é considerado como o seu obstáculo mais formidável, como a “raiz da doença”.

Para quem anda com os olhos vendados, por mais que expliquemos o caminho a seguir, ele nunca o encontrará. Para os doentes mentais, as melhores regras de conduta são inúteis. Quem quiser curar uma doença deve eliminar a própria raiz [Citado por Max Pohlenz, Die Stoa, Göttingen, 1948, t. Eu, pág. 151.].

Este texto de Ariston, espécie de sermão sobre a liberdade total dos afetos em vista do livre exercício da razão, descreve certamente um certo traço comum entre ἀπάθεια e gelâzenheit; mas Eckhart não poderia ter muito conhecimento dos autores da Stoa. Além disso, além da dificuldade histórica de uma influência clara, veremos Mestre Eckhart testemunhar uma alegria errante muito distante da mentalidade estoica. O caminho estoico para a liberação envolve um esforço contínuo e constante da vontade moral; estamos longe do “deixar-ser” de Mestre Eckhart. Com ele, a vontade deixará até de querer a si mesma.

O neoplatonismo e o estoicismo trouxeram certos elementos à doutrina eckhartiana relativos ao desapego e ao gelâzenheit, mas não podem ser resumidos em esquemas de pensamento que se tornaram propriedade comum da cultura ocidental. (RSME)