JARDIM DO ÉDEN
Ora, entre o “Mundo da Formação” celeste e nosso “Mundo do Fato” terrestre se situa o paraíso terrestre que, em seu aspecto primordial, é o Éden e a respeito do qual nos encontramos em um estado de queda, de inversão, de imperfeição. O paraíso terrestre está ligado ao céu; suas leis e suas condições de existência refletem tão perfeitamente quão possível aquela dos céus: é uma “terra celeste”. Nossa terra, ela, manifesta o céu de uma maneira fragmentada, deficiente, mesmo antinômica; ela parte de um caos primordial onde se concentram as trevas do “finito”, negador do Infinito: a ignorância, o mal, a morte. O Éden, portanto, é uma manifestação relativamente pura e perfeita da Imanência divina, dizemos “relativamente perfeita”, pois a Perfeição absoluta não pertence senão a Deus, e portanto a todo o que é totalmente idêntico a Ele.
Depois de ter descrito a gênese do “Homem do alto”, — gênese em Deus, em seguida no céu — passamos agora àquela do “homem de baixo”, nascido desta terra paradisíaca que está repleta e inundada da Divindade imanente até parecer se confundir com Ela. Tudo o que aí se encontra — abstração feita di mal virtual oculto no homem e na Árvore do Conhecimento do bem e do mal, assim como da “serpente” ou da vibração negativa montando do abismo caótico do “finito” para atualizar o mal, — é de natureza perfeita, natureza divina e deificante, celeste ou angélica1 . A hierarquia espiritual das criaturas aí está estabelecida — de acordo com o segundo capítulo bíblico — como por uma inversão, a respeito daquela que descreve o primeiro capítulo do Gênesis. Neste, o homem é o último criado, o mais afastado do caos, a síntese final de tudo o que o precede; no segundo capítulo consagrado ao Éden, ele é o primogênito da divina “Terra” ou Imanência, a síntese inicial das criaturas, logo — como nos mundos superiores — o mais alto posto sobre a escala espiritual dos seres criados.
Com efeito segundo a Bíblia não havia na esfera do Éden nenhuma criatura antes do homem, este ser meio-terrestre meio-celeste das duas naturezas humana e divina:
“Nenhum arbusto dos campos
(imagem simbólica dos anjos habitando os “campos” do paraíso celeste e terrestre)
ainda não estava sobre a terra
(ou Imanência divina que ainda não estava manifestada por seus “servidores”),
e nenhuma erva dos campos germinava ainda
(quer dizer que os anjos que não têm duração, mas aparecem e desparecem de pronto, e que são denominadas “erva dos campos”, não estavam também saídas da “Terra” ou Divindade imanente);
pois YHWH Elohim não tinha ainda feito chover sobre a terra,
(Deus, cuja Graça infinita, YHWH, sobressaía e eclipsava no Éden o Rigor cósmico, Elohim, aí não estava ainda passado ao ato formador),
e não havia homem nenhum (Adam) para cultivar a terra
(“Adamah, a “terra do homem”, seu corpo, todo seu ser, enquanto é unido a “Erets”, termo empregado acima pela Escritura para designar a “Terra” ou Imanência divina; esta frase significa que a Divindade ainda não estava personificada no homem para ser “cultivada” por ele, quer dizer para se afirmar e se atualizar Ela mesma nele e por ele).
E (é então que) um vapor se elevou da terra
(divina, “Erets”; Deus começou a se revelar por uma primeira emanação espiritual e supra-formal de sua Imanência, veiculada por uma manifestação homogênea de “Avira ilaah, o “Éter do alto”, e este “vapor” luminoso ou vibração espiritual e universal da Imanência se elevou então — como uma oração ou a fumaça de um holocausto — para a Transcendência divina),
e ela regou (em seguida) toda a superfície da terra
(humana, “Adamah”: ela redesceu da “Face” transcendente de Deus, para “regar” ou atualizar todas as possibilidades manifestáveis de sua “Face” imanente, sob sua forma primordial da “terra” paradisíaca e adâmica).
E YHWH Elohim
(depois de ter atualizado Adam Qadmon, o “Homem-Princípio”, no “Mundo da Emanação” transcendente, e o ter manifestado em modo puramente espiritual o “Mundo da Criação” prototípico de sua Imanência)
formou
(no “Mundo da Formação” celeste, depois sobre a “terra celeste” ou edênica que dela é o prolongamento inferior e paradisíaco) o homem (Adam terrestre)
do pó da terra
(Adamah, este pó sendo a substância pura, etérea e incorruptível do corpo primordial do homem e de tudo que existe no Éden),
e Ele soprou em suas narinas
(na receptividade perfeita de sua substância etérea)
um sopro de vida
(nishmath hayim, o Espírito de Deus vivente ou imanente);
e o homem se tornou um ser vivente
(nephesh haya, uma “alma ou “pessoa vivente”: uma personificação de Deus, de sua Essência, de seu Espírito e da “materia prima” ou do “((éter do alto”).
E YHWH Elohim plantou um jardim no Éden, do lado do Oriente, e aí pôs o homem que tinha formado
(Ele atualizou no Éden, quer dizer no entro divino do cosmo e ao redor do homem que dele era o ser central, um “jardim” um estado cósmico correspondente a este ser axial criado “a sua imagem e a sua semelhança”, era preenchido da Luz primordial emanando de seu “Lado direito”, aquele de sua Graça infinita, denominado o “lado do Oriente”; é aí que situou o homem como seu representante, ao redor do qual gravitavam todas as outras criaturas, a começar pelos anjos que segundo a tradição judia, o “cercavam e o honoravam”).