Anselmo Homem Desterrado

Santo Anselmo — PROSLOGION

O HOMEM DESTERRADO
(Proslogion, cap. I.)

Nunca te vi, Senhor meu Deus, nem conheci tua face. Que fará, altíssimo Senhor, que fará este teu longínquo desterrado? Que fará teu servo, ansioso de teu amor e lançado longe de tua face? Ansia por ver-te, e tua face lhe é muito distante. Deseja chegar a ti, e tua morada é inaccessível. Apetece encontrar-te, e desconhece o lugar em que estás. Pretende procurar-te, e ignora teu rosto. Senhor, és meu Deus e meu Senhor, e nunca te vi. Fizeste-me e refizeste-me, e me destes todos meus bens, e ainda não te conheci. Por último, fui feito para ver-te, e ainda não cumpri aquilo para o que fui feito.

Ó desventurada sorte do homem, quando perde aquilo para o que foi feito! (…) Infelizes, de onde fomos expulsos, para onde fomos impelidos! De onde nos precipitamos, onde fomos cair! Da pátria ao desterro, da visão de Deus a nossa cegueira. Do gozo da imortalidade à amargura e ao horror da morte! Triste mudança! De quanto bem a quanto mal! Pesado dano, pesada dor, pesado tudo.

Mas, ai de mim, desditado, um dos muitos infelizes filhos de Eva separados de Deus! que iniciei, que fiz? Para onde me inclinava, que foi feito de mim? A que aspirava, entre que males suspiro? Procurei os bens, e que perturbação! A Deus me inclinava, e em mim mesmo cai. Procurava o repouso secreto em mim, e encontrei a tribulação e a dor em minha intimidade. Queria rir pelo gozo de meu espírito, e vejo-me obrigado a rurgir pelo gemido de meu coração. A alegria era esperada, e acumulam-se os suspiros!

Anselmo de Canterbury (séc. XI)