São Isaac o Sírio ou de Nínive — EXCERTOS DE SEUS ESCRITOS
Mundo
Mundo é nome genérico para todas as paixões. Quando queremos chamar as paixões por um nome comum, as chamamos de mundo. Mas quando queremos distingui-las por seus nomes especiais, as chamamos de paixões. As paixões são as seguintes: amor de riquezas, desejo de posses, prazer corporal do qual vem a paixão sexual, amor de honra que levanta a inveja, ambição por poder, arrogância e orgulho de posição, o desejo por adornar-se com roupas luxuosas e ornamentos vãos, o ardor por glória humana a qual é uma fonte de rancor e ressentimento, o medo físico. Quando estas paixões cessam de ser ativas, aí o mundo está morto; pois embora vivendo na carne, não se vive para a carne. Veja por qual destas paixões você está vivo. Então saberás quão distante estás vivo para o mundo e quão distante estás morto para ele.
Ascese
O começo do caminho da vida consiste em duas coisas: meditar sempre as palavras de Deus e viver na pobreza. Ser banhado pela primeira destas coisas leva à perfeição da segunda, quer dizer que ser banhado pela meditação das palavras de Deus ajuda a estabelecer a pobreza. Mas o instituto da pobreza vos oferece o meio de ser bem sucedido na meditação das palavras de Deus. A ajuda dos dois vos conduz a subir todo o edifício das virtudes. Ninguém pode se aproximar de Deus se não se separa do mundo. Por separação não entendo o distanciamento do corpo, mas aquele das coisas do mundo.
Um trabalho violento produz um calor excessivo, que queima no coração pelo efeito dos pensamentos ardentes que vêm ao espírito. Este trabalho e esta vigilância estimulam o espírito pelo calor e lhes dão a ver. E esta visão engendra pensamentos fervorosos, como disse, na profundeza da visão da alma: esta se chama contemplação. Esta contemplação engendra o fervor, e deste fervor produzido pela graça da contemplação vem o correr das lágrimas. No início é pouca coisa, quer dizer que muitas vezes por dia as lágrimas vêm aos olhos e cessam em seguida; adiante são as lágrimas incessantes, e destas lágrimas incessantes resulta para a alma a paz dos pensamentos. Desta paz dos pensamentos eleva-se a pureza do espírito. Por esta pureza do espírito o homem alcança ver os mistérios de Deus. Pois a pureza se oculta na paz que sucede aos combates.
Há três categorias onde classificar os homens que progridem: aquela dos iniciantes ( eisagogikos ), aquela do meio ( mesos )e aquela dos perfeitos ( teleios ). Aquele que está na primeira categoria, mesmo se seu espírito tende para o bem, guarda ainda uma alma que se move nas paixões ( pathe ). A segunda é alguma coisa de intermediário entre o estado de paixão e o estado de “apatia”; e os pensamentos retos, como também aqueles que vêm da esquerda, agitam-se igualmente nele, e a luz como as trevas não cessam de brotar, como já foi dito.
Assim como toda força das leis e mandamentos dados por Deus aos homens, até a pureza do coração, é bem determinada segundo o dizer dos Padres, do mesmo modo são determinadas todas as maneiras de orar e os bens que o homem demanda a Deus pela prece, até a prece pura. Com efeito os gemidos, as genuflexões, as demandas do coração, as doces lamentações, e todas as maneiras de orar, como disse, até a prece pura, são fixados por uma regra e podem mudar; mas desde a pureza da prece até aquilo que há de mais íntimo, se ela ultrapassa este limite, a alma não terá ainda em seu poder nem oração, nem movimento, nem gemidos, nem liberdade, nem independência, nem demanda, nem desejo ou alegria de qualquer coisa que esperemos nesta vida ou nos tempos futuros. É por isto que após a prece pura não existe outra prece; e todo seu movimento, como todos seus modos, arrebatam a alma até o fim pelo poder da liberdade. Eis porque ela comporta um combate. Passado este limite, haverá êxtase e não mais prece. Desde então a prece cessa, há contemplação e o espírito não faz mais oração. Toda maneira de orar comporta o movimento. Quando a alma penetra nos movimentos espirituais, aí não encontra mais a prece. Uma coisa é a prece, outra a contemplação que encontra nela, embora ambas prestem assistência uma a outra. A primeira é a semeadura, a segunda a retirada das espigas. Aqui o plantador fica estupefato pela inefável visão, perguntando-se como, destes grãos tão pequenos e tão simples que semeou, tão belas espigas nasceram de repente diante dele. Aí se fica a cultivar a si mesmo sem qualquer movimento.
Além disto, meu irmão, saiba que a alma tem a faculdade de discernir seus próprios movimentos até que tenha chegado a prece pura. Quando ela aí chegou e não volte atrás ou abandone a prece, então a prece se torna algo intermediário entre o psíquico e espiritual. Se ela se move, está no domínio psíquico; se ela penetrou neste domínio, ela suspende a prece. Os assuntos na vida futura não oram por meio da prece, suas almas estando embriagadas pelo Espírito, mas plenas de admiração habitam na gloriosa beatitude. Assim é para nós. Se a alma é digna de perceber a felicidade futura, esquece-se então ela mesma assim que todas as coisas de aqui, e ela não é mais movida por nenhuma. Desde então, quem ousaria dizer com segurança que a vontade livre dirige toda virtude e toda forma de prece, quer seja no corpo ou na reflexão mental, e que pelas sensações, ela move o espírito ele mesmo, que é o rei das paixões? Se o espírito governa e dirige, dominando-a, a alma que ela mesma governa os sentidos e os pensamentos, a liberdade natural é suprimida, ela é conduzida, ela não conduz. Onde então estará a prece, se a natureza não tem mais força nem liberdade por ela mesma, mas é conduzida por uma outra potência aí onde ela não sabe, e se ela é impotente para dirigir os movimentos do pensamento como ela o desejaria, mas é mantida em cativeiro nesta hora e conduzida aí onde ela não tem consciência? Então ela não terá mais vontade e não saberá “se ela está ainda em um corpo ou fora de um corpo”, segundo o testemunho da escritura (2 Cor 12,2). Por conseguinte haverá mesmo prece naquele que está assim cativo e não conhece mais a si mesmo? Por isto que ninguém deve ousar blasfemar e dizer que é possível ao homem praticar a oração espiritual. Aqueles que ousam assim falar são aqueles que oram contando vantagem, que são ignorantes e enganam-se a si mesmos dizendo que, quando o querem, praticam a oração espiritual. Os humildes e os sábios consentem em receber a doutrina de nossos Padres e a conhecer os limites de nossa natureza, e não deixam seus pensamentos se entregar-se a semelhante audácia.
Pergunta. Porque, se não é a oração, designa-se pelo nome de oração esta graça inefável? — Resposta. Para nós, eis causa: no tempo da oração ela é dada àqueles que dela são dignos, e ela tem seu princípio na oração; esta graça sublime só sucede aí neste tempo, segundo o testemunho dos Padres. Por isto é designada sob o nome de oração; pois a alma é conduzida para esta beatitude partindo da oração, e desde então esta oração é a causa, e em outros tempos esta graça não tem lugar, como o mostram os escritos dos Padres. Vejamos com efeito muitos santos, como é dito em suas vidas, se mantendo na oração e arrebatados em espírito.
*TEMOR