Zoroastro Dualismo

ZOROASTRODUALISMO
DUALISMO EM ZOROASTRO?
Uma grave confusão, em virtude do sincretismo operado pelos magos, entre o zoroastrismo e o zervanismo, acabou atribuindo a Zoroastro a paternidade do dualismo.

A identificação de Zoroastro e do dualismo se realiza no momento em que os magos se apropriam do Sábio como profeta de sua casta, seja no século VI a.C., seja mais tarde, pois desde -480 a arqui-imagem Ostanes, que acompanha Xerxes a Atenas, passa já pelo mais célebre de seus discípulos (Plínio, Hamídoro). No zervanismo, Ormazd, ele próprio (e não o Espírito Santo), fica diretamente oposto a Ahriman. Ormazd e Ahriman se veem engendrados pelo deus Zervan, o tempo divinizado e ilimitado (akarana), deus de origem caldeia, ignorado por Zoroastro mas importante na teologia dos magos (Endeme de Rodes). Dualismo radical que, a partir de agora, vai marcar abusivamente o zoroastrismo legalitário dos magos, ao passo que os verdadeiros zoroastrianos permanecerão essencialmente monoteístas até os nossos dias.

Ahura Masda/Ormazd revela-se o único Mestre do mundo, pois foi ele quem criou o espaço-tempo para que o Espírito Mau nele se aprisione e diante dele se prostre até o fim dos tempos. Não se poderia enfraquecer a força de Ormazd sob o pretexto de que Ahriman reina temporariamente sobre as trevas, pois Ormazd permanece onipotente na eternidade e na sua transcendência, como se revela sempre todo-poderoso nos planos elevados da oração. Ao final desta luta titânica, o triunfo definitivo de Ormazd será assegurado em todos os níveis da criação. Depois da mistura das forças luminosas e tenebrosas, haverá a vitória final e, como antes da criação, a separação radical da Luz e das Trevas. O pseudo-dualismo zoroástrico, matizado no segundo ato da criação e temporário, chega finalmente à formulação de um monoteísmo coerente: “Tu fizeste aparecer, finalmente, os dois mundos, e tu és sempre o soberano universal” (Y. 31.7). O dualismo é geralmente acusado de levar sombras à toda-poderosa divindade, opondo-lhe um adversário, mesmo que se encontre igualmente isento da tenebrosa responsabilidade do mal. Se, nas religiões bíblicas, o monoteísmo procura permanecer “todo-poderoso” em todas as etapas e em todas as fases da criação, ele deixa o homem interdito (prece de Job) diante da trágica contradição de um Deus bom e onipotente, que deixa tanta crueldade e tantos erros povoarem seu universo. A teologia zoroástrica não se reconhece, pois, dualista, a não ser na aparência. Ormazd cede ao dualismo temporário da criação material, a parte de imperfeição devida ao livre-arbítrio receoso de Ahriman, porque o Senhor Saber se preocupa antes de tudo em conservar uma pureza eternamente imaculada.

Na prática Zoroastro trata Masda como o único criador e deus supremo, dizia já Moulton (1913), seguido de G. Widengren e G. Dumézil. Mas enquanto os monoteístas habituais põem destaque na força divina quanto à criação física, esta passa ao segundo plano nas Gâthâs (Y. 44). Figurada pela abóbada celeste, a criação, no Avesta, responde à metáfora do “manto de Ahura Masda” e só intervém depois da criação espiritual (Yt. 13.2). Contrariamente às teologias antropomórficas que fazem da força a qualidade mais admirável de Deus, para Zoroastro, sempre preocupado com a ética, o ato mais significativo do divino foi o de ser o augusto criador do Bom Pensamento (Vohu Manah) e isto, antes da identificação platônica do Bem Soberano e da divindade: “Eu soube pelo pensamento, ó Masda, que tu foste o primeiro e o último. Tu, pai do Bom Pensamento. Tu, o verdadeiro instrutor da Ordem e da justiça. Tu, mestre das ações da vida” (Y. 31.8). Esta magnífica definição do divino será observada mesmo pelos apologistas cristãos e Eusébio de Cesarela exaltará a descrição de Deus, feita por Zoroastro, como a mais bela apresentada pelos Anciãos (Preparação evangélica).

Zoroastro, nos seus hinos, designa e interroga individualmente cada um dos “Santos Imortais”, Masda, a sabedoria de Deus, sendo o primeiro de sua natureza sêxtupla; Vohu Manah, Asha, Khshatra, Armaiti, Haurvatat, Ameratat, os quais não receberam o nome genérico de Amesha Spenta (Santos Imortais), senão posteriormente. Esta pluralidade de expressões divinas não macula o monoteísmo zoroástrico. Os Ameshas Spentas têm, de fato, “todos os sete o mesmo pensamento, todos os sete a mesma palavra, todos os sete a mesma ação” (Yt. 19.16).

Ahura Masda não abandona a criação aos dois Espíritos e os Ameshas Spentas estabelecem uma correspondência permanente entre o céu e a terra. Os elementos do universo dependem estreitamente de seus arquétipos celestes: Vohu Manah (Bom Pensamento), sublimação do deus indo-iraniano Mitra, incumbe-se do boi e de toda a fauna. Ele precede os outros Imortais que derivam

dele, sendo o Bom Pensamento a primeira manifestação do Senhor (Y. 28.3; 44.4; Visp. K. 11). Asha, a Ordem universal, pendente iraniano de Rta e de Varuna, mas também próximo do Maat egípcio e do Kosmos grego, vela o fogo e a ordem cósmica e moral do universo, como representa o Bem supremo. Vohu Manah e Asha são os Imortais mais invocados das Gâthâs. Ashavahishta é invocado frequentemente ao lado de Spenta Mainyu, o Santo Espírito de Ahura Masda, como seu “Espírito Soberano”, Vahishta Mana Khshatra, o Reino divino, é substituído na função guerreira de Indra e corresponde aos metais, símbolo de poder, “força guerreira confiscada pela batalha mística ‘ (G. Dumézil). A raiz da palavra se encontra no Kshatriya, o combatente védico, e no Khshatharapavan, o sátrapa poderoso do sistema aquemênida. Kshatra, o “reino por vir”, impõe também a caridade, ashôdad, o “dom do justo”. Às vezes o Reino será confundido com o Garodman, o Paraíso ou “casa do canto”, realizando-se o retomo ao Reino para a Renovação final do mundo por uma tomada de consciência mais perfeita de seu esplendor. Spenta Armaiti, a santa devoção, nascida de Sarasvati, Imortal feminina à qual o mito da androginia se refere e que invoca a moderação e a piedade, assumindo a incumbência da fecundidade da Terra. Haurvatat, a Saúde, nascida do primeiro gêmeo Nasatya, reina sobre as águas, e seu segundo, Ameratat, Imortalidade, reina sobre a flora.

Essas relações esotéricas entre o mundo espiritual e o universo material são resultado de antigas funções teológicas indo-iranianas que, em Zoroastro, se transpuseram ao nível de relações místicas entre o crente e as entidades ormazdianas. Assim, as invocações gáticas não são dirigidas a puros fantasmas, mas às manifestações divinas que permitem conhecer melhor a natureza de Deus, e às quais o Profeta fala como a amigos íntimos dos quais espera ajuda. Tão intimamente unidos como as sete cores do arco-íris, esses seres sagrados identificados mais tarde como os “arcanjos” do zoroastrismo antes dos da tradição bíblica são unicamente os atributos personificados de Masda e seus principais modos de atividade entre os homens e na natureza.