Valor dos Apócrifos

Apócrifos — O valor dos Apócrifos do Novo Testamento

São de valor desigual os diversos livros ou fragmentos apócrifos do Novo Testamento que chegaram até nós. Cada um deve, portanto, ser julgado separadamente. Pode-se, contudo, ter uma visão geral de seus méritos e de suas falhas ou erros.

Entre os evidentes valores enumeram-se:

1. Das narrativas apresentadas decorrem ideias teológicas fundamentais. Embora nem sempre explicitamente enunciadas, refletem as convicções vigentes naquela época e contêm elementos da fé cristã. Assim a divindade de Cristo e a Virgindade de Maria (nos apócrifos da infância); a descida de Cristo aos infernos (nos evangelhos sobre paixãomorte-ressurreição), a Assunção de Maria (nos apócrifos sobre a dormição = morte de Maria). Ao lado dos ensinamentos ortodoxos, aparecem, ao mesmo tempo, divergências doutrinárias que caracterizam as principais seitas e heresias. Constituem, é certo, pontos negativos, mas trazem esclarecimentos para a história da teologia e da Igreja.

2. Alguns dos apócrifos, principalmente dos mais antigos, nos transmitiram pormenores apreciáveis, que se perpetuaram na liturgia e na arte. Assim os nomes dos pais de Maria, Joaquim e Ana; a apresentação de Maria no templo; a morte de São José, assistido por Jesus e Maria; a morte de Maria, tendo os apóstolos em torno do leito; o nascimento de Jesus numa gruta e a presença do boi e do jumento; o nome dos três reis magos; o nome de Longino, o soldado romano que traspassou o lado de Jesus com a lança; a história de Verônica e do seu véu, etc.

Gozaram, por isso, de especial estima e exerceram grande influência entre os primeiros cristãos.

3. Podem ser considerados autênticos diversos fatos da vida de Jesus e muitos milagres por ele realizados, que não se encontram nos livros canônicos, mas foram conservados pelos apócrifos.

De fato, diz São João em seu evangelho: “Fez Jesus, em presença de seus discípulos, muitos outros milagres que não estão neste livro” (Jo 20,30).

Os evangelhos sinóticos — Mt, Mc e Lc — falam, por sua vez, de muitas curas e milagres, em diversas oportunidades, sem, contudo, registrá-los separadamente.

Do mesmo modo, a existência de “ágrafos” mostra que os evangelhos não registraram exaustivamente todas as palavras de Jesus. Comparativamente, pode-se lembrar que pelo menos dois apócrifos do Antigo Testamento são citados na epístola de Judas. No v. 9 a “Assunção de Moisés” e nos v. 14 e 15 os “Livros de Henoque” (1,7).

Entre as falhas e erros podemos destacar:

Muitos apócrifos contêm passagens eivadas de fantasias e lendas inverossímeis.

Outros, em grande número, estão infiltrados de princípios errôneos decorrentes de heresias que surgiram nos primeiros séculos.

Umas eram de origem judaica e consistiam na mistura de princípios da lei mosaica com a doutrina cristã. Assim os ebionitas para quem Jesus não era Deus, mas o fiel cumpridor da lei, o Messias esperado. O nome provém da palavra hebraica ‘ebyôn que significa pobre. É o termo que aparece na primeira bem-aventurança: “Felizes os pobres em espírito. . .”. Consideravam-se como fiéis praticantes das bem-aventuranças.

Outras decorrem das ideias predominantes nos meios cultos daquela época. A principal foi o gnosticismo, que se reveste de diversos aspectos e constitui uma tentativa de associação do cristianismo com ideias da filosofia grega. Gnose (gnosis) quer dizer conhecimento. O gnosticismo seria o mais profundo conhecimento de Deus, do mal e da salvação. A perfeição consistiria na fusão da alma com a divindade.

Outra forma de heresia era o docetismo, nome derivado de palavra grega (dókesis) que significa aparência. A encarnação de Cristo teria sido só aparente, porque a matéria é um mal absoluto. Jesus, sendo Deus, não podia padecer nem morrer.

São Paulo, nas epístolas, embora sem citar nomes, faz referência a desvios na fé. Em Cl 2,8: “Tomai cuidado para que ninguém vos escravize por meio da filosofia, vã e sedutora, que se baseia na tradição humana e nos elementos do mundo e não em Cristo”. Em lTm 6,20-21: “O’ Timóteo, guarda o depósito, evitando as ímpias e vãs disputas e as contestações da falsa ciência. Alguns, por segui-las, desviaram-se da fé”.