Nicetas Stethatos — CENTÚRIAS FÍSICAS
21. O espírito do desejo e raiva é passível de invadir as almas recentemente purificadas. Para fazer o que? Para balançar os frutos do Espírito Santo brotando dentro deles. Pois a alegria da liberdade produz uma certa confusão em tais almas; elas tendem a se exaltar sobre outras por causa de sua grande liberdade e a riqueza de seus dons, e também pensar que alcançaram este grande palácio de paz através de sua própria força e compreensão. Por conseguinte a Sabedoria que ordena todas as coisas para o bem, e busca sempre atrair estas almas para si mesma por meio de seus dons e mantê-las inabaladas em sua humildade, retira-se delas levemente e assim permite que este espírito de desejo e raiva as ataque. Mergulhadas como resultado no medo da queda, elas uma vez mais mantêm a guarda sobre a bendita humildade; e, reconhecendo que são limitadas por carne e sangue, buscam de acordo com sua verdadeira natureza pela fortaleza interior onde pelo poder do Espírito Santo pode sustentar a si mesmas intocadas.
22. A veemência de nossas provações e tentações depende do grau em que somos debilitados pelas paixões e infectados pelo pecado; e o cálice amargo do juízo de Deus varia de acordo. Se a natureza do pecado dentro de nós é tal que é facilmente tratado e curado — se, quero dizer, consiste de pensamentos que são auto-indulgentes ou mundanos — então o Curador de nossas almas em Sua compaixão adiciona senão uma dose de compaixão ao cálice de provação e tentação que Ele administra, posto que estes são meramente agruras humanas pelas quais somos afligidos. Mas se o pecado é mais profundo e difícil de Curar — uma infecção letal de pretensiosos pensamentos arrogantes — então na agudeza de Sua ira Ele nos dá o cálice não diluído, de modo que, dissolvidos e refinados no fogo de provações sucessivas e da humildade que induzem, a doença possa ser removida de nossa alma e possamos lavar nossos pensamentos negros com lágrimas, assim nos apresentando puros na luz da humildade para nosso Curador.
23. Aqueles engajados no combate espiritual podem escapar do ciclo de provação e tentação só por reconhecer suas fraquezas, e a respeito deles mesmos como estranhos à retidão e não merecedores de qualquer consolo, honra ou repouso. Deus, o doutor das almas, nos deseja ser sempre humildes e modestos, destacados de nossos companheiros e imitadores de Seus sofrimentos. Pois Ele era «gentil e humilde no coração» (Mt 11,29), e quer que persigamos o caminho de Seus mandamentos com semelhante gentileza e humildade de coração.
24. Humildade não é alcançada por meio de um pescoço magricela, cabelo esquálido, ou vestes amassadas, esfarrapadas e sujas, pelas quais geralmente os homens asseveram a soma total desta virtude. Ela vem de um coração contrito e um espírito de auto-rebaixamento. Como Davi disse, «Deus não menospreza um espírito contrito, e um coração humilde e contrito» (cf. Sal 51,19, LXX).
25. Falar humildemente é uma coisa, agir humildemente é outra, e estar interiormente humilde é ainda outra coisa. Através de todas as formas de dureza e através de trabalhos exteriores de virtude aqueles engajados em combate espiritual podem obter as qualidades de falar e agir humildemente, pois estas qualidades requerem nada mais que esforço corporal e disciplina. Mas porque a alma de tais pessoas frequentemente sentem falta de estabilidade interior, quando a tentação as confronta são facilmente balançadas. A humildade interior, por outro lado, é algo exaltado e divino, concedida através da morada do Paracleto somente àqueles que passaram a metade do caminho espiritual — que atravessaram, quer dizer, através da ação em toda humildade, o caminho rigoroso da virtude.
26. A alma é tão perdida e oprimida quando a humildade interior como uma pedra pesada penetrou em suas profundezas, que perde toda sua força por causa das lágrimas que derrama incontrolavelmente; enquanto o intelecto, limpo de todo pensamento enganador, alcança como Isaías à visão de Deus. Sob aquela divina influência ela também confessa, «Quão abjeta sou — perfurada até o coração; porque sou um homem de lábios imundos, e habito entre pessoas de lábios imundos; e meus olhos viram o Rei, o Senhor das hostes» (Is 6,5).
27. Quando a habilidade para falar humildemente está firmemente estabelecida dentro de ti, então não mais indulgenciarás em fanfarronices; quando ages espontaneamente em humildade de coração, então cessarás as falas humildes, sejam superficiais ou profundas; e quando estiveres enriquecido por Deus com a humildade interior então tanto humildade da ação externa e humildade da língua não mais terão qualquer lugar em ti. É como São Paulo disse: «Mas quando isso que é perfeito vem, que o que é parcial é com ele exterminado» (1Co 13,10).
28. A genuína humildade da fala é tão remota da genuína humildade da ação como o Oriente é do Ocidente. E como o céu ultrapassa a terra, ou como a alma o corpo, de modo que a humildade interior dada aos santos através do Espírito Santo excede a genuína humildade da ação.
29. Não prontamente assuma que alguém que em aparência exterior e vestes, e na maneira de falar, parece ser humilde seja realmente humilde no coração; e não assuma — a não ser que tenhas posto em teste — que alguém que fala exaltadamente de coisas altas esteja cheio de fanfarronice e vaidade. Pois «deverias conhecê-los por seus frutos» (Mt 7,16).
30. Os frutos do Espírito Santo são amor, alegria, paz, bondade, perseverança, gentileza, fé, doçura, autocontrole (cf. Gal 5,22-23). Os frutos do espírito do mal são ódio, desânimo mundano, agitação da alma, coração perturbado, dolo, curiosidade, negligência, raiva, falta de fé, inveja, glutonia, embriaguez, abusividade, censura, a luxúria dos olhos (cf. 1Jo 2,16), vanidade e pretensão da alma. Por estes frutos podes conhecer a árvore (cf. Mt 12,33), e desta maneira certamente reconhecerás que espécie de espírito tens de lidar. Uma indicação ainda mais clara destas coisas é dada pelo Senhor Ele mesmo quando diz, «Um bom homem do bom tesouro de seu coração retira boas coisas; e um homem mau do mau tesouro de seu coração retira coisas más» (Mt 12,35). Pois como a árvore, assim é o fruto.